quinta-feira, 15 de maio de 2008

Show de horrores

É inacreditável o que tem ocorrido com a televisão brasileira. Em pleno século XXI, com tanto esclarecimento sobre o papel da mídia, já no avançado debate sobre seu caráter social, ainda encontrar no horário nobre da TV brasileira, programas que ousam tripudiar sobre nosso senso crítico. Na semana passada zapeando a televisão (canais abertos), estacionei por alguns instantes em um programa no SBT que julgava pretensos cantores. Descobri, lendo uma crítica no Jornal O Estado de S. Paulo, que tal programa ainda não tinha nome devido a um processo movido pela FremantleMedia, detentora dos direitos do programa “Ídolos” nos Estados Unidos. O SBT que deteve o direito de exibição do programa nos últimos dois anos perdeu para a TV Record o direito de apresentação. E, sabidamente, Silvio Santos permitiu que os internautas e telespectadores do programa escolhessem o novo nome para a programação.

Na última quarta-feira, dia 14, não sendo tricolor, nem paulista, nem carioca, começava a ficar entediada com aquela partida da Copa Libertadores da América, entre São Paulo e Fluminense, transmitida pela TV Globo. Voltei a zapear os canais e mais uma vez tive o infeliz destino de cair no tal programa Astros (esse foi o nome escolhido por 78% dos internautas). Um verdadeiro “show de horrores”. O reality musical é na verdade uma versão abrasileirada do famoso American Idol, líder de audiência em diversos países, e vai ao ar desde abril todas as quartas, às 21h30, no SBT, só que numa versão Freak Show.

Entre uma apresentação e outra, um rapaz entra de cuecas e faz uma dança. Seu nome é Zezinho e ele apresenta uma composição de sua própria autoria, intitulada Melô do Reco-reco. “Todo mundo tá ligado, todo mundo tá esperto, que a onda do momento é a dança do reco-reco. Não precisa ser malhado, não precisa ser avião, pra fazer o movimento tem que prestar atenção: reco, reco, reco, reco”.

Previsivelmente ele é muito criticado, ou melhor, achovalhado pelo corpo de jurados, composto por Arnaldo Sacomani, Cynthia Zamorano, Thomas Roth e Carlos Miranda, que acredito, devem ser profissionais do ramo da música. Aliás, é impressionante ver esses jurados compactuando com um programa deste nível. Zezinho continua: “a meu deus estou infectado, o mosquito me picou e estou todo dengado”. No sítio do programa a chamada “Excluídos” vem seguida da seguinte frase: “ olha só as figuras que o júri tem que ouvir”.

Fica bem claro diante das interpretações dos participantes que tudo não passa de uma miss en scène. Uma ficção elaborada para ser transmitida como realidade. Por acaso, esta semana estava lendo um artigo de François Jost, especialista em análise de gêneros televisivos, no qual ele afirma a existência de dois modos de perceber a representação televisada, aquela feita por receptores que sabem “a qual mundo relacionar um programa (real, lúdico ou fictício)” e aquela feita pelos que “hesitam sobre o estatuto do programa”. Mas em nenhum dos casos, o telespectador deve ser encarado como vítima.
O telespectador é parte importante desse processo, na medida em que, estabelece um pacto de cumplicidade com a programação. Um pacto que apesar de ser tratado como meramente simbólico, usufrui de regras e modelos, às vezes, bastante rígidos. Um vínculo real em um mundo midiatizado. No mural do programa no sítio na internet os elogios – pasmem – são bem mais comuns do que as críticas. A maioria dos internautas que postam ali acredita que o programa é “excelente” e que os fazem “rir muito”.

Por outro lado, não posso deixar de dizer que existem alguns bons artistas se apresentando no programa, como o caso de Rita e Sandro, que apresentaram uma composição instrumental em violão e bandolim e foram escolhidos para a final do mês. No entanto, não deixa de ser indignante perceber que se por um lado, a TV se utiliza das bizarrices alheias para gerar audiência e dinheiro, por outro, artistas populares com potencial de expansão musical precisam se submeter a esse tipo de “audição” para se tornarem conhecidos. Dualidades e contradições de um país onde uma celebridade é produzida a cada 15 segundos e onde cultura não passa de frames com logotipos piscando na tela do seu computador.

Nenhum show de “talentos” que realmente se leve a sério iria permitir a participação de tais “figuras” em sua programação, a não ser que o objetivo principal seja realmente entreter por meio da escatologia. Parece que, mais uma vez, a estética do grotesco, enquanto representação de formas aberrantes e bizarras, encontrou na mídia um terreno fértil para sua reprodução, como bem já explicaram Muniz Sodré e Raquel Paiva em O império do grotesco (Mauad Editora, Rio, 2002). E, o SBT aposta, mais uma vez, no quanto pior melhor (para audiência), assim como apostou durante anos no Programa do Ratinho.