quarta-feira, 17 de março de 2010

É possível normalizar a imagem do negro na mídia?

Normalizar no Dicionário Aurélio significa “fazer voltar, ou voltar à normalidade, ao estado normal”. Em outras palavras, parte da idéia de que existe um algo a priori que pode ser considerado normal, estando todos os fatos a posteriori balizados a partir dele. Já o doutor em educação, Thomaz Tadeu da Silva, que desenvolve a idéia de normalização a partir da perspectiva dos estudos sobre identidade cultural propõe que “a normalização é um dos processos mais sutis pelos quais o poder se manifesta no campo da identidade e da diferença”. Para Silva, “normalizar significa eleger – arbitrariamente – uma identidade específica como o parâmetro em relação ao qual as outras identidades são avaliadas e hierarquizadas” (1).

No Brasil, não é novidade a constatação de que a identidade normalizada foi a branca, ficando as outras – negros, índios e mestiços – balizados a partir da primeira. Na ficção televisiva isso se constata a partir do número de personagens brancos em relação ao de negros, mas também devido às características que esses personagens, brancos e negros assumem a cada trama. Os personagens brancos (normalizados) estão sempre “aptos” a desenvolver qualquer papel. Já os negros foram colocados sempre a frente de personagens cujas características de alguma forma remetiam ao imaginário construído sobre o negro no país ao longo de séculos. São os chamados “papéis de negro”, que se materializam no negro cômico, contador de piada; no escravo na ficção de época; na empregada doméstica das tramas urbanas; na mulata lasciva e indomada; e no carente social, sobrevivente das favelas e vítima de toda sorte de infortúnios possíveis.

Recentemente, no entanto, atores negros apareceram na telinha vivendo papéis que não podem ser assim considerados “papéis de negro”. Um deles, o consagrado Milton Gonçalves, que em 2008 na novela A Favorita (João Emanuel Carneiro) viveu o político corrupto Romildo Rosa. À época, em virtude da polêmica gerada por seu personagem, Gonçalves não só o defendeu como também alegou que gostava de fazer um personagem de relevo, ainda que fosse um vilão. “Sempre lutei por papéis relevantes”, disse em entrevista.

Em 2009 foi a vez de a atriz Thais Araújo viver algo semelhante. Seu personagem na novela Viver a Vida (Manuel Carlos) não criou muito carisma no início, e apesar de as críticas, aparentemente, não terem tido relação com a cor de sua pele, foi esse o fator que mais apareceu nas listas de discussão e fóruns que analisavam o conteúdo da ficção e a atuação da atriz. O próprio autor da trama adiantou-se ao informar à imprensa que não se tratava de uma personagem negra (fato que inclusive, não consta nos scripts do personagem). Ou seja, ela não estaria ali para viver um papel historicamente delegado aos negros, não seria – como foi Preta, seu personagem anterior em Da Cor do Pecado (João Emmanuel Carneiro), de 2002 – uma mulher negra que sofre com preconceitos raciais.

Os dois personagens citados, cada um ao seu modo, aparecem como uma tentativa de normalizar a imagem do negro na mídia. Aos atores foram dados papéis que poderiam ter sido dados a qualquer ator, branco ou negro, e com isso cria-se um discurso de que não existe preconceito racial nos produtos midiáticos distribuídos por aqui. A questão é até que ponto essa normalização é possível, na medida em que, num país onde há racismo, a cor da pele funciona como uma marca que discrimina?

Por um lado, a normalização segue um caminho positivo, pois permite criar, a longo prazo, a idéia de que negros podem (e devem) interpretar personagens diversos e não serem limitados a reproduzir os “papéis” a que foram subjugados há séculos. Isso posiciona o negro num lugar de identificação social pelo qual há muito se almeja. Intuitivamente, acredito que este foi o caso da personagem Helena de Thaís Araújo. Sua influência estética repercute de forma positiva e é visível nas ruas, com a assunção dos crespos e volumosos.

Por outro, a normalização também constrói uma idéia de aparente igualdade, que não condiz com a realidade racial do nosso país. Ao olharmos os Romildos e as Helenas como personagens alheios à discriminação racial – discriminação que diminui, mas ainda é vivida cotidianamente por negros e negras – corremos o rico de pousarmos nossa reflexão crítica sobre o alicerce nada confiável de que eles, os personagens, representariam de fato as relações raciais no Brasil.

Como bem argumentou a professora doutora Solange Couceiro, em entrevista, existe uma afirmativa muito bem difundida pela mídia e por alguns intelectuais brasileiros de que não existe no Brasil “divisão em raças”. Em conseqüência disso, e como forma de comprovar tal assertiva, aumenta-se o número de participações de negros em ficções televisivas, como se com isso quisessem nos dizer “não somos racistas”. Então, é preciso ficar atento se isso contribui na construção de um caminho de uma igualdade, de uma paridade nas relações raciais, ou se forja, mais uma vez, o mito da democracia racial.

(1)A produção social da identidade e da diferença. In: Tomaz Tadeu da Silva. (Org.). Identidade e diferença. A perspectiva dos Estudos Culturais. 1 ed. Petrópolis: Vozes, 2000, v. 1, p. 73-102.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Pesquisa de mestrado aponta crescimento da participação do negro na publicidade

Apesar do crescimento verificado entre os anos de 1985 e 2005, peças publicitárias continuam a retratar o negro a partir de estereótipos desabonadores, conclui o pesquisador Carlos Martins, em sua dissertação de mestrado defendida na Escola de Comunicações e Artes

Se pensarmos que os negros compõem a maior parte da população brasileira, somando cerca de 50% do total, como aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE (PNAD/2007*), poderíamos concluir que as peças publicitárias veiculadas em meios de comunicação – sejam eles eletrônicos ou impressos – deveriam dedicar-se a contemplar a figura do negro ora como cidadão (em peças públicas e sociais), ora como consumidor (em peças comerciais). Não é exatamente o que acontece.

A conclusão é da pesquisa de mestrado Racismo Anunciado: o negro e a publicidade no Brasil (1985-2005), defendida na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) pelo pesquisador Carlos Augusto de Miranda e Martins. Ele quantifica e interpreta 1.158 anúncios publicitários publicados em 60 exemplares da revista Veja num intervalo de 20 anos, contados de cinco em cinco (1985, 1990, 1995, 2000 e 2005).

Dos 1.158 anúncios, apenas 86 apresentavam a figura do negro, ou seja, 7% do total. A pesquisa identificou que houve um crescimento de 10% no número de peças publicitárias nas quais algum negro aparece. A percentagem que era de 3% em 1985 chegou a 13% em 2005. Apesar do crescimento, considera Carlos Martins, trata-se de “uma mudança muito tímida para 20 anos, principalmente se você pensar que esses 20 anos foram marcados por forte atuação do movimento negro”, afirma.

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