segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Haiti, um ano depois do terremoto, país segue arrasado


Um ano após terremoto no Haiti, país ainda é território arrasado, tem política instável e depende de uma ajuda internacional que nunca chega; enquanto isso, as informações trazidas ao Brasil são comoventes, mas estão longe de gerar a indignação necessária à mobilização por mudanças no país mais pobre das Américas

O Jornal Hoje do dia 12 de janeiro de 2011, dia em que se completou um ano desde que um terremoto que arrasou a capital haitiana Porto Príncipe, matou 250.000 pessoas e deixou cerca de 1,5 milhões de desabrigados, apresentou uma matéria sobre o que acontece no país, um ano depois. O ancora do telejornal apresentou a matéria dando ênfase ao fato de aquele ter sido um dos piores terremotos da história do país. Na seqüência, a correspondente no Haiti, repórter Lilia Teles, afirmou que “poderíamos passar horas listando os problemas do Haiti”, mas que “em respeito à luta desse povo e a história dele, decidimos falar das coisas boas, da fé, da alegria do haitiano”.

A abordagem, pautada na capacidade daquele povo em “dar a volta por cima e de lidar com as adversidades, sem perder a esperança”, é comovente, pois nos mostra um lado bem humano e solidário dos haitianos. Por outro lado, por deixar de lado todas as mazelas que vêm sofrendo àquele povo, não causa indignação, nem nos mobiliza para uma ação mais contundente em relação ao país.

Afinal, um país cuja população é de maioria negra, de descendentes de escravos, um país que foi usurpado durante séculos pela colônia, que é pobre – miserável poderia se dizer -, e que viveu ditaduras terríveis e que só recentemente (e de forma embrionária) conquistou a democracia, deve estar acostumado a viver no infortúnio e no desamparo.

Essa seria uma das formas de se explicar porque, por ocasião de catástrofes em cidades de países desenvolvidos, tanto a comoção internacional quanto a reconstrução local parecem ser maiores e mais ágeis. É como se a carência do povo fosse uma indicação para os chefes globais de que é possível para tal população conviver com a fome, a sede, a doença, a violência física, a agressão moral, a miséria. É isso que se vê no Haiti.

Tem esperança? Sim tem esperança, mas também tem milhares de crianças órfãs abrigadas em asilos (algumas levadas pela “solidariedade internacional” para fora do país como “cães sem dono”); tem estupros contra mulheres e crianças nos acampamentos (algumas delas, conforme denúncias, cometidas por soldados de tropas estrangeiras); tem violência cotidiana causada pelas necessidades de água, tem falta de água potável; tem a cólera, não bastasse tudo, a epidemia de cólera matou desde outubro do ano passado quase 3,8 mil pessoas e afetou mais de 181 mil haitianos; e, a miséria e a forme que já eram parte do cotidiano haitiano, aumentaram significativamente.

Cuba, por exemplo, que passa por uma de suas maiores crises econômicas, com falta de emprego, diminuição das importações, fechamento de empresas estatais e tragédias naturais (em 2009 a ilha foi afetada por furacões que causaram prejuízos de 10 bilhões de dólares) enviou no final do ano passado, mais uma equipe de médicos para o Haiti. Os médicos cubanos – 1200 no total – já são a maior brigada estrangeira, tratando cerca 40% dos que foram acometidos pela cólera no Haiti.

Os médicos cubanos estão “trabalhando em 40 centros em todo o Haiti, tem tratado mais de 30.000 doentes de cólera desde outubro”, informa Nina Lakhani, em artigo publicado no The Independent, em 26 de dezembro de 2010. “Em meio à fanfarra e publicidade em torno da chegada de ajuda dos EUA e do Reino Unido, centenas de médicos, enfermeiros e terapeutas cubanos chegaram discretamente. A maioria dos países foi embora em dois meses, novamente deixando os cubanos e os Médicos Sem Fronteiras como os principais prestadores de cuidados para a ilha caribenha”, diz o texto. Clique aqui para ler.

Outro grupo de médicos cubanos que fazem parte da Brigada Henry Reeve, que é especializada em desastre e em emergência, também chegou recentemente ao Haiti. A Brigada Henry Reeve é a mesma que foi rejeitada pelos norteamericanos após o furacão Katrina, em 2005 e que foi a primeira a chegar ao Paquistão após o terremoto de 2005.

O Brasil, desde 2004, mantém soldados do exército no Haiti, atuando dentro da Missão de Estabilização da ONU – Minustah. Hoje, a mesma missão está sendo acusada pelos haitianos de ter levado a cólera ao país, uma vez que os soldados “estariam usando” o Rio Artibonité, fonte de água para a população, como latrina.

Como se observa, as informações são todas muito desencontradas, e em geral, vindas de fontes exteriores. Conforme afirma editorial do Jornal Brasil de Fato “não fosse a atuação de duas brigadas internacionalistas da América Latina – a de médicos cubanos e da Via Campesina –, a atuação dos países da região seria, no mínimo, vergonhosa”. Enquanto o Haiti segue, um ano após o terremoto, complemente destruído e instabilizado politicamente (vide eleições presidenciais), nós aqui continuamos de braços cruzados e desinformados acerca do que de fato acontece lá.