quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Implantar ações afirmativas é a principal pauta do movimento negro

Afrodescendentes ainda encontram-se em posição desfavorável dentro da sociedade brasileira

Por Ana Cláudia Mielki, para o jornal Brasil de Fato

Criar condições para a inclusão econômica e social do negro. Essa continua a ser a principal pauta do movimento negro. Apartados das políticas de inclusão a mais de três séculos, os negros ainda lhes têm negado o direito ao trabalho, à moradia digna, à saúde, à educação.

Metade da população brasileira é composta por negros – 49,5% de pretos e pardos na nomenclatura usada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os negros representam 46% da população economicamente ativa (PEA), no entanto estão à margem do mercado formal de trabalho e possuem os mais altos índices de desemprego, como mostra pesquisa “Escolaridade e Trabalho: desafios para a população negra nos mercados de trabalho metropolitanos”, lançada na primeira quinzena deste mês pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Nas seis regiões metropolitanas pesquisadas – Belo Horizonte (MG), Distrito Federal, Porto Alegre (RS), Recife (PE), Salvador (BA) e São Paulo (SP) –, as taxas de desemprego são maiores entre os negros. Em São Paulo, a proporção é de 18,3% entre os negros contra 13,2% entre os brancos. Em Salvador, a taxa de desemprego entre os negros chega a 23,4% contra 16,1% dos brancos; no caso das mulheres negras a taxa chega a 26,3% entre as soteropolitanas.

Raiz histórica

A pesquisa do Dieese, lançada no mês em que se comemora o Dia Nacional da Consciência Negra, levanta uma reflexão importante ao apontar uma relação estreita entre as taxas de desemprego e o nível de escolaridade da população. Na medida em que o nível de escolaridade cresce, diminuem as taxas de desemprego. Os negros além de estarem mais sujeitos à entrada precoce no mercado, constituem o segmento com maior dificuldade para atingir níveis elevados de escolaridade.

Para Douglas Belchior, da entidade Educafro, existe uma raiz histórica determinante para essa situação. “O direito à educação foi historicamente negado aos negros. Os negros foram impedidos de estudar no período da escravidão e com o passar dos anos a condição sócio-econômica da população negra a impediu de ocupar os espaços da educação”, analisa. Hoje, segundo ele, “o acesso à educação de qualidade é essencial para que os negros possam ascender aos espaços”, o que incluiria o mercado de trabalho.

Transformar essa realidade de exclusão é um desafio para os movimentos sociais. Em São Paulo, onde o dia 20 de novembro é feriado os movimentos realizaram a 4ª Marcha da Consciência Negra – Viva Zumbi. Mais de 42 entidades participaram da organização da marcha que tinha, entre as principais reivindicações, a implantação de políticas afirmativas, criação do Fundo de Promoção da Igualdade Racial e a aprovação, no Congresso Nacional, do Estatuto da Igualdade Racial. Em todo o país, o 20 de novembro – feriado em 267 municípios – é um dia para lembrar e reconhecer a importância de Zumbi dos Palmares como um combativo guerreiro do povo brasileiro

Desigualdade e discriminação

Para ativista negro dos Santos, Juninho, do Círculo Palmarino, a implementação de políticas de ações afirmativas, como as cotas de acesso a universidades, são fundamentais para a inclusão de uma classe social que é excluída, classe essa, que segundo ele, tem cor. “73% dos setores mais pobres da população brasileira são de origem afrodescendente, o que mostra uma relação intrínseca entre desigualdade e discriminação racial no país”, diz.

Se há segregação no mercado de trabalho, na educação a discriminação não é diferente, ao contrário, tende a ser ainda mais grave. De acordo com o Censo da Educação Superior, realizado em 2004 pelo Ministério da Educação, nas universidades pretos e pardos somam apenas 24,1% dos ingressos.

Cotas

No caso do acesso à educação superior, a aprovação do projeto de lei nº 3627 que institui reserva de vagas para afrodescendentes nas universidades públicas, seria uma forma de amenizar o problema. “Defendemos as ações afirmativas como políticas imediatas, sem perder de vista que só vai haver uma transformação real com a mudança dessa sociedade para uma outra, mais justa, igualitária e sem divisão de classes sociais”, afirma Juninho, do Círculo Palmarino.

No Brasil, houve avanços com a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), ligada à Presidência. Mas, para os movimentos sociais, o avanço nas políticas de promoção da igualdade racial dependem, em nível nacional, da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, construído originalmente pelo próprio movimento negro, mas alterado durante quase dez anos de tramitação no Congresso. Segundo Juninho, o texto foi bastante recortado e hoje existem críticas ao Estatuto uma vez que ele ganhou caráter orientativo e não determinativo como reivindica o movimento.