sábado, 28 de julho de 2012

“Muitas vezes as pessoas se chocam quando veem o racismo colocado explicitamente, mas é essa cara feia mesmo que ele tem”



Em entrevista ao programa Bom Dia Ministro, na última quarta-feira (25), a ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Bairros, conversou com âncoras de emissoras de rádio de todo o País. Na pauta, a efetivação do Estatuto da Igualdade Racial, que completa dois anos, o Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha e questões relativas à população negra, como mercado de trabalho e combate ao racismo e à discriminação. 

Leia abaixo trechos da entrevista, editada pelo Em Questão.

Discriminação

Muitas vezes as pessoas se chocam quando veem o racismo colocado explicitamente, mas é essa cara feia mesmo que ele tem. Até bem pouco tempo, essas manifestações eram reprimidas, escondidas. Hoje, nenhuma mãe de criança negra aceita mais que sua filha ou seu filho seja discriminado sem denunciar isso.

Racismo e inclusão

Nós estamos experimentando um processo, ainda que gradual, de inclusão da população negra em determinados espaços e infelizmente, a tendência é que o racismo aumente. A presença das pessoas negras em lugares onde normalmente ou historicamente elas não frequentavam, aumenta esse tipo de reação.

Mercado de trabalho

A presença da mulher negra no mercado de trabalho ainda é muito marcada pelo fato de o trabalho doméstico representar a ocupação que absorve um maior número de mulheres negras. São cerca de sete milhões de trabalhadores domésticos em todo o Brasil e desses, pelo menos seis milhões são mulheres e a maioria é negra.

Cotas

Temos um bom caminho andado naquilo que se refere às cotas no ensino superior no Brasil. O nosso trabalho, agora, tem sido no sentido de fazer com que isso se realize também com relação à questão do emprego e esse processo tem começado pela reserva de vagas nos concursos públicos.

Emprego e renda

As diferenças do rendimento médio entre negros e brancos, se devem  ao fato de a maioria dos trabalhadores negros estar inserida em ocupações cujo salário é menor. Temos que fazer um investimento no combate a posturas discriminatórias no mercado de trabalho e em educação, para que os negros se coloquem em posição de disputar posições mais valorizadas.

25 de Julho

O Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha (instituído em 1992) tem um significado importante para todos nós. A data tem esse poder de resgatar o que é a participação das mulheres negras nessa história recente.

Denúncias

O Ministério Público é sempre uma porta aberta para o acolhimento de denúncias. A Seppir tem a Ouvidoria Nacional da Igualdade Racial, que pode ser acessada pelo número (61) 2025-7000. Não há nenhuma restrição de tipo de caso, das circunstâncias em que ele ocorre.

Educação antirracista

Existe, desde 2003, uma lei que modificou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, tornando obrigatório o ensino da história, da cultura africana e afro-brasileira. Existe no governo federal um trabalho do Ministério da Educação para fazer com que essa obrigatoriedade seja observada pelas secretarias estaduais e municipais. Nós dependemos também da mobilização de pais e mães, porque não é apenas a ação do governo que pode contribuir para o combate ao racismo.

Olimpíadas

O plano de ação conjunto Brasil e Estados Unidos deu essa possibilidade para que a experiência das Olimpíadas de Atlanta pudesse ser trazida para nós. Atlanta é um exemplo de como foi possível criar toda uma cadeia de relações, no sentido de fazer com que a preparação para os jogos criasse um dinamismo econômico no interior da população negra.

Obras

Em todos os grandes contratos de construção (para as Olimpíadas de Atlanta), havia a obrigatoriedade de trazer a subcontratação de empresas menores, comandadas por pessoas negras.

Comunicação social

Também fizeram uma experiência bastante interessante do ponto de vista da questão da comunicação, convocando jovens negros, estudantes de comunicação de várias universidades para comporem, junto com todas as outras emissoras de rádio e de televisão, equipes com a participação efetiva de jovens negros.

O programa é transmitido ao vivo pela TV NBR e pode ser acompanhado na página da Secretaria de Imprensa da Presidência da República.

Fonte: Pantanal News, em 27/07/2012

terça-feira, 17 de julho de 2012

Fotógrafa registra expressivo mundo religioso gaúcho de origem negra


Durante quatro anos, Mirian Fichtner fez uma imersão no tema, que resultou no projeto Cavalo de Santo - Religiões Afro-Gaúchas

Um olhar apressado para as fotos desta página poderia fazer o leitor pensar que se trata de manifestações religiosas afro-baianas. Cariocas ou maranhenses, talvez. Mas não, as imagens retratam uma faceta menos conhecida do Rio Grande do Sul, cuja identidade primeira sempre foi branca e europeia.

Desconhecida até mesmo da autora do trabalho, a fotógrafa gaúcha Mirian Fichtner, 50 anos. Durante quatro anos, ela fez uma imersão no tema, que resultou no projeto Cavalo de Santo - Religiões Afro- Gaúchas, formado por exposição, livro e um documentário ainda em produção.

Uma das imagens da mostra Cavalo de Santo, da fotógrafa Mirian Fichtner, que será aberta quinta, no Museu  Nacional da Cultura Afro-Brasileira
Depois de passar por Porto Alegre e Rio de Janeiro, a exposição chega a Salvador, ao Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira, na Rua do Tesouro, Centro. A abertura, para convidados, será quinta, com a presença  de Mirian  e de algumas das autoridades religiosas retratadas no projeto.

Invisibilidade

Mirian atentou para o universo ancestral afro-gaúcho a partir de um texto sobre o Censo 2000. Segundo o IBGE, o RS é o estado que concentra o maior número de terreiros (30 mil) e de adeptos declarados de religiões de origem africana no país, com um total de 1,62% da população. Estão lá as 14 cidades com mais seguidores do candomblé e da umbanda, ficando Itaparica, na Bahia, no 15º lugar.  Os dados foram ratificados em 2010.

“Minha primeira reação foi pensar: ‘Que estranho, sou de lá e nunca percebi isso’”, conta Mirian, radicada no Rio há 25 anos e com passagens por veículos como Veja, O Globo e IstoÉ. Foi o start para ela se aprofundar no assunto, a partir de 2005. Juntamente com o marido, o jornalista Carlos Eduardo Caramez, a fotógrafa mapeou cem casas religiosas, visitou 30 e fechou com as 15 mais tradicionais, que passou a acompanhar.

Cavalo de Santo mostra em fotos vigorosas como estas manifestações acontecem, suas características mais marcantes e personagens importantes. Nomes como a ialorixá Mãe Graça de Oxum, da cidade de Rio Grande, que teve a casa fechada em 2003 e iniciou uma batalha contra a intolerância religiosa. Localizada no Extremo Sul, a cidade portuária  foi porta de entrada dos negros no estado.

Costela e polenta

Além do Rio Grande, Pelotas e Região Metropolitanta de Porto Alegre concentram os terreiros gaúchos. Por lá, o culto aos orixás se chama Batuque ou Nação, que reúne o panteão religioso de nações como angola, gegê-nagô e cabinda. Entre diferenças e aproximações com a Bahia, é curioso ver, por exemplo, uma costela de boi entre as oferendas pra Ogum. Ou polenta e batata, misturados à pipoca e farofa.  

Os orixás cultuados, afirma pai Cleon de Oxalá, 72, são basicamente os mesmos daqui. À frente da casa Reino de Oxalá – que já tem mais de 50 anos –, Pai Cleon representa a tradição cabinda. Elogiando o trabalho de Mirian, que achou “ótimo”, ele só faz uma ressalva em relação às fotos que mostram sacrifício de animais.

“Acho que não precisava, porque ainda tem muito preconceito e pode chocar algumas pessoas”, diz. Realizadas no Ilê dos Orixás, as imagens, diz Mirian, foram devidamente autorizadas pelo líder da casa. “Nunca transgredi o ponto de vista religioso, mas faz parte da cultura”, pontua Mirian, que incluiu as fotos no livro, mas não na exposição.

Mãe Graça de Oxum no porto de Rio Grande. Cidade no extremo sul foi porta de entrada dos negros no RS

Calada da noite 

Além do Batuque, a fotógrafa registrou manifestações da umbanda – com seus caboclos e pretos velhos – e da linha cruzada ou quimbanda, que cultua exus, pombagiras e ciganos.  Parte das fotos foi feita em festas públicas como a de Oxum, em 8 de dezembro, que  reúne milhares de pessoas às margens do rio Guaíba.

“Quase todas as festas são realizadas à noite ou na madrugada, o que reflete ainda uma grande discriminação”, afirma. Por conta disso, continua, teve que encontrar soluções criativas para trabalhar com pouca luz. As principais fontes de inspiração foram os trabalhos dos fotógrafos Pierre Verger (1902-1996) e José Medeiros (1921-1990).

As dificuldades técnicas não foram as únicas de Mirian. Ela bancou com recursos próprios seu projeto, já que nenhuma grande empresa gaúcha topou patrocinar a ideia (grifo nosso). “O preconceito é muito forte, mas o povo de santo me acolheu de forma muito carinhosa”, afirma.

Documentário marca nova fase do projeto

Para a versão baiana de Cavalo de Santo, Mirian escolheu 25 fotos, que são apresentadas num tamanho grande ( 77 cm x  1, 03 m). As imagens também ganham projeção num telão em alta definição, acompanhadas de sons que embalam os rituais. Em Salvador, Mirian também venderá as imagens expostas (com valores de R$ 750 a R$ 1 mil) e uma série de pôsteres (R$ 25). Parte da renda será revertida para os terreiros gaúchos.

“Priorizei  a plasticidade das fotos”, diz Mirian, acrescentando que usa a cor como um forte elemento expressivo. Dando sequência ao projeto Cavalo de  Santo, ela está preparando um documentário, para o qual está entrevistando vários religiosos gaúchos.

Mirian também pretende lançar uma segunda edição do livro - que está esgotado -, trabalho vencedor do II Prêmio Nacional de Expressões Afro-Brasileiras, concedido pelo Cadon/MinC/Petrobras  no ano passado.

Fotos: Mirian Fichtner
Texto: Ana Cristina Pereira (ana.pereira@redebahia.com.br)
Fonte: Correio da Bahia (http://migre.me/9W4oC)

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Nota do Blog: É interessante perceber, primeiro, que essa matéria revela o quanto conhecemos pouco nossos “brasis”. Eu mesma só fui me atentar para uma relevante população negra no Rio Grande do Sul (1.725.711 pelo CENSO 2010 são pardos e negros - 16,14%, da população) quando por conta da participação de um negro no movimento estudantil de Comunicação entre os anos de 2003-2005.

Depois disso, é claro, não apenas descobri que o Estado sulista tinha uma grande população de origem afro-brasileira, como também percebi que lá, as religiões de matriz africana eram bem estruturadas e combativas (foi no Estado do Rio Grande do Sul que pela primeira vez se obteve na Justiça o direito ao sacrifício de animais em ritos religiosos de matriz africana).

A matéria acima traz à tona esse desconhecimento e, quando não, nosso preconceito quanto a isso. O desconhecimento é reiterado pela própria fotógrafa que, ao descobrir a quantidade de terreiros no Estado sentiu-se impelida – eu diria positivamente obrigada – a fotografar e retirar da invisibilidade essa manifestação religiosa no Rio Grande do Sul; e o preconceito, posto à tona, pela falta de patrocínios revelados pela fotógrafa.

De uma certa forma parece que os possíveis patrocinadores do Rio Grande do Sul não veem relevância em [des]cobrir essa outra identidade sulista, que cotidianamente nos é encoberta pela repetição [enfadonha, eu diria] de que no Sul existem apenas descendentes de alemães. Logo, apenas as práticas ditas, de origem europeia, preservam o privilegio de serem patrocinadas e exploradas comercialmente enquanto identidade daquele povo. Uma pena!


sábado, 7 de julho de 2012

Eu neguinha ou sobre o politicamente correto do Bial


Quarta-feira passada, na casa de uma amiga, vendo a final da Copa Libertadores da América (sem o nome do banco patrocinador) entre Corinthians e Boca Juniors, conversávamos sobre as confusões que podem ocorrer dentro do campo de futebol entre os jogadores. A tela da TV mostrava o jogador Emerson, do Corinthians, respondendo a uma provação com um gesto, como se dissesse “beija aqui”.  

Lembramos, nós que gostamos de esporte, dos jogos entre Brasil e Cuba no vôlei feminino (Atlanta 1996), quando a rede – que supostamente separava os dois times – virou palco para uma batalha “campal” entre brasileiras e cubanas. Referiu-se ao episódio um amigo:
“aquelas negas são foda!” e rapidamente, olhou para mim e perguntou “o que você acha disso que eu falei ‘aquelas negas são foda!’?

Eu respondi: “Não achei nada. Acho que elas são foda mesmo!”

Como vocês podem ver, esse post nada tem a ver com o esporte, não fosse ele gerado a partir de uma conversa durante um jogo de futebol. Ele, na verdade, vem tratar do preconceito nosso de cada dia. Bem da verdade, não senti absolutamente nada com o comentário do meu amigo; sem hipocrisia. Não vejo problemas em chamar os negros de negros ou “negos”, no palavreado comum. Não me importo de ser chamada por meus amigos de “nega”, que muitas vezes é uma forma carinhosa de tratamento. E, não comungo de um policiamento linguístico que, muitas vezes, na pretensão de garantir o politicamente correto, não leva em consideração a etimologia da palavra, ou seja, sua origem e sua história na historia do discurso social. Uma coisa é evitar palavras como “denegrir”, outra bem diferente, é evitar termos como “clarear”, que em nada tem a ver com a cor e sim com o par antagônico claro x escuro.

O programa Na Moral, apresentado pelo jornalista Pedro Bial, e que estreou na última sexta-feira, dia 6 de julho, tentou fazer um debate – “sem papas na língua” – sobre a questão do politicamente correto. O músico Alexandre Pires esteve no programa para dar seu testemunho sobre seu clip recentemente lançado e, posteriormente acionado pelo Ministério Público por ter, supostamente, incitado o racismo ao colocar homens vestidos de gorilas. Não vou falar do clip, pois acho que desse muita gente já falou. Se posso aqui empenhar alguma opinião, vou em direção daquela que já foi dita e redita por aí: “não é racista, mas é esteticamente de mau gosto” e como o gosto, muitos acreditam, não pode ser discutido, não vou me debruçar na discussão sobre esse. Além disso, comungo da opinião feminista, pois “o vídeo coloca as mulheres, mais uma vez, na posição de objeto sexual”. É, portanto, machista.

Na linha da discussão do politicamente correto, me chamou a atenção o fato de o apresentador do programa ter colocado a questão como se fosse algo que vitimasse as pessoas. “Será que estamos sendo vítimas do politicamente correto?”, perguntou ele durante o programa. E “você é vítima da ditadura do politicamente correto?” é a pergunta que estampa a parte interativa do programa no site da Globo.com.

A minha pergunta vai numa outra direção “afinal, quem é vitima do quê nesta arenga?”.

Bom, eu não acho que “as leis devam prever a linguagem dos jornais” (essa é outra pergunta feita no site do programa para avaliar se você é vitima da tal ditadura), porém, acho que temos que ter, garantidas em leis, formas de nos defendermos sim, de possíveis “usos da linguagem no jornal”.  Afinal, por que o nome de Carlinhos Cachoeira foi precedido do atributo profissional “empresário” no jornal Folha de São Paulo de 27.06.2012 e o nome do meu primo Arthur Junior foi procedido pela expressão “vulgo Juninho”, quando ele, em 2004, morreu por afogamento no Estado Espírito Santo? O que impõe a escolha dessa ou daquela palavra? O que determina que um repórter, apresentador ou pessoa comum utilize essa ou aquela expressão para se remeter a um fato ou pessoa?

Parece que, no entendimento colocado pelo programa, as palavras e expressões são meros usos corriqueiros da linguagem, não estando elas ligadas a nenhuma concepção de mundo, a nenhuma disputa por posição e por poder nesse mundo. Pero, caros amigos, há um engano nessa pretensão de que as palavras são vazias, transparentes, ou meras representantes abstratas de algo. A palavra, como já diria o filósofo Mikhail Bakhtin, “é a arena onde se confrontam os valores sociais contraditórios”.

O fato de eu aceitar – e gostar – de ser chamada de “negra”, “nega” ou “neguinha” por pessoas próximas e amigos não significa que as mesmas palavras, ditas em outro tom e em outras condições de discurso, sejam aceitas por mim da mesma forma. Na verdade, essas palavras são ressignificadas por mim dia-a-dia e dependem sim do tom e da posição de quem as imputa. E, ainda bem que existem leis que me garantem o direito de reagir aos discursos ofensivos!

As leis estão aqui para nos propiciar – sem recair em censura prévia, é claro – a garantia de que a nossa linguagem não vá ser usada como arma a favor do preconceito e da violência, como, aliás, foi durante muito tempo. Em outras palavras, instituir “como ditadura” o politicamente correto é sombrear o debate, ao invés de torná-lo mais claro (claro sim, no sentido de lúcido, esclarecido).  Se é pra falar de vitimização: é menos vítima quem detém a palavra do que quem é alvo dela, pois as posições de fala estão sempre vinculadas às posições de poder estabelecidas em qualquer sociedade.