quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Ativistas pressionam Alckmin a acabar com violência e cobram demissões


Grupo que atua contra o genocídio exige instalação de CPI e cobra a dispensa do secretário de Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, e do comandante da PM, Roberval Ferreira França

São Paulo – O Comitê Contra o Genocídio da Juventude Negra realiza amanhã (1º) encontro no Sindicato dos Advogados de São Paulo para retomar a Campanha contra o Genocídio, iniciada há dois anos. O grupo, que congrega 30 organizações de direitos humanos, exige a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa sobre a violência policial e cobra a demissão do secretário de Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, e do comandante da Polícia Militar de São Paulo, Roberval Ferreira França.

Os movimentos encaminharam um dossiê ao Legislativo paulista com um histórico da violência policial contra jovens, na maioria negros, das periferias paulistas. O advogado da Uneafro Brasil Cleyton Wenceslau explica em entrevista à TVT que as reivindicações não são um pedido exclusivo do comitê, mas uma questão que tem sido pauta de diversas entidades da sociedade. “Esse não é um pedido só do comitê. Várias outras campanhas são feitas nesse sentido e também o Ministério Público Federal acolheu essa proposta, porque a situação não pode continuar como está.”

Wenceslau afirma que o comitê tem pressionado o governo do estado para buscar alternativas e acabar com a violência contra os jovens. “É necessário mudar o perfil de segurança, a postura que se tem diante das abordagens na rua. É preciso mudar a formação e acabar com setores ultrapassados que são herança da ditadura como, por exemplo, a Rota em São Paulo.”

O número de jovens negros mortos nos últimos meses é assustador e aumenta a cada dia. O mapa da violência do Instituto Sangari indica que entre 2001 e 2010, o índice de negros assassinados aumentou 23,4%, enquanto o de brancos caiu 27,5%.

Membro do Círculo Palmarino, entidade nacional que atua contra a violência e a favor de políticas públicas voltadas aos negros, o jovem Juninho questiona a proporcionalidade das ocorrências de violência no estado. “A gente tem um estado de violência, em especial aqui em São Paulo, mas isso também vem acontecendo em outros estados do país. Oitenta e seis policiais foram mortos, mas para cada policial morto, dez civis estão sendo mortos. Há uma política deliberada de grupos de extermínio dentro dos batalhões da Polícia no estado de São Paulo.”

Para Juninho, encerrar o ciclo de violência é uma questão de mudar a visão do estado sobre o problema. “É possível superar esse estado de violência com uma política séria de Estado. E a gente sabe que violência não se combate com mais violência. Se combate com educação, saúde, emprego, saneamento, lazer e cultura”, conclui.

O Comitê Contra o Genocídio da Juventude Negra foi criado em 2009 com o objetivo de reunir denúncias ligadas à violência policial e propor ações em conjunto com movimentos sociais e a sociedade.

Fonte: Redação da Rede Brasil Atual, 31/10/2012

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O papel da cor da pele no governo Obama

Fonte: The New York Times, em 29 de outubro de 2012.

Barack Obama raramente tece reflexões sobre a experiência de ser o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, convertendo em algo quase ordinário o que antes dele era extraordinário.

Mas sua tranquilidade aparente oculta a ansiedade e a emoção com que, segundo assessores, ele atua em sua posição histórica: orgulho pelo que realizou, determinação para fazer um bom trabalho e frustração intensa. Obama busca um equilíbrio entre dois impulsos: a visão de que a política universal não é baseada em critérios raciais e a promoção da vida negra e seus desafios.

Atento para não criar pontos de atrito raciais, o presidente é reservado e cuidadoso ao falar sobre o assunto. Seus assessores orquestram com muita diplomacia as aparições de personalidades negras e manifestações de cultura negra na Casa Branca. As pessoas próximas a Obama dizem que ele se irrita por ser incompreendido – não apenas por adversários que insinuam que ele favorece os afro-americanos, mas também por intelectuais e parlamentares negros que o criticam por ele não fazer de sua Presidência um ataque frontal à disparidade racial.

“Tragicamente, parece que o presidente se sente constrito por sua negritude”, disse o apresentador de rádio e televisão Tavis Smiley. “Tem sido doloroso, em alguns momentos, assistir ao tratamento calculado, cauteloso e por vezes indiferente dado pelo presidente à sua base eleitoral mais leal. Os afro-americanos perderam terreno na era Obama.”

De acordo com assessores, críticas desse tipo deixam o presidente ressentido e sentindo-se traído por aqueles que ele acha que deveriam ser seus aliados.

Observadores atentos dizem que Obama está ficando mais confiante para falar de raça em público, da mesma forma que o faz em conversas particulares.

Indagados sobre quando puderam perceber essa mudança, vários assessores e amigos mencionaram o final da festa de aniversário de Obama em 2011. Quando ficou tarde, muitos dos convidados brancos foram embora, e a música ficou “mais e mais negra”, como o humorista Chris Rock contou a uma plateia mais tarde. Quando viu artistas e atletas afro-americanos dançando o Dougie (movimento de dança hip-hop) para celebrar um presidente negro numa Casa Branca construída por escravos, disse Rock, “senti que eu tinha morrido e ido para o céu negro”.

Hoje Obama preside uma Casa Branca que projeta a unidade transracial. Muitas de suas decisões mais críticas de política doméstica beneficiaram afro-americanos: pacotes de estímulo que mantiveram os empregos de funcionários públicos, doações para o setor educacional para ajudar escolas com desempenho fraco e uma reforma da saúde que vai garantir cobertura médica a milhões de americanos. Mas Obama apresenta essas medidas como políticas que visam ajudar os americanos de todas as origens.

Falando reservadamente, assessores da Casa Branca frequentemente dissecam a dinâmica racial da Presidência, perguntando se o deputado republicano Joe Wilson, da Carolina do Sul, teria gritado “o senhor mente!” para um presidente branco durante um discurso perante o Congresso, ou qual é o significado real de cartazes do Tea Party pedindo “Vamos Tomar Nosso País de Volta”.

Obama é circunspecto quanto à questão de parte da oposição a ele ser movida pela questão racial. Assessores dizem que o presidente tem plena consciência de que alguns eleitores dizem que nunca se sentirão à vontade com ele, além das ocasionais manifestações de racismo na campanha, como a camiseta, vista num comício recente de Mitt Romney, estampada com a frase “Vamos Devolver o Branco à Casa Branca”. Mas eles dizem, também, que Obama é disciplinado, obrigando-se a não reagir, porque fazê-lo poderia facilmente provocar reações contrárias indesejadas.

Mesmo quando Newt Gingrich o descreveu como “presidente dos tíquetes-alimentação”, nas primárias republicanas, o máximo que Obama fez foi lançar um olhar cheio de significado para seus confidentes, como se dissesse “não vou dizer nada, mas já estou dizendo”, comentou um assessor.

Aos negros que o acusam de não ser agressivo na questão racial, Obama responde: “Não sou o presidente da América Negra. Sou o presidente dos Estados Unidos da América.”

Na primeira reunião de seus maiores doadores de campanha, no ano passado, alguns doadores negros ficaram consternados quando funcionários distribuíram fichas com tópicos sobre as conquistas obtidas pela administração Obama em favor de grupos diversos: mulheres, judeus, gays e lésbicas. Mas não havia ficha para os afro-americanos.

Pouco antes de sua posse, em 2009, Barack Obama levou sua família para conhecer o Memorial Lincoln. “Primeiro presidente afro-americano... é bom que você seja bom”, disse Malia Obama, então com 10 anos, a seu pai, que relatou o caso mais tarde.

Apesar de toda a cautela de Obama, ele está numa missão, dizem seus assessores: mudar os estereótipos relativos aos afro-americanos, incentivando, por exemplo, realizações de negros na ciência e na engenharia.

O professor de direito em Harvard Charles J. Ogletree disse que Obama sabe que o próximo candidato presidencial negro poderá ser avaliado segundo o desempenho dele, Obama.

Um assessor da Casa Branca falou que o desejo de Obama de ser reeleito é em parte pelo fato dele ser o primeiro presidente negro: “é tão implícito que é como a respiração”.


terça-feira, 9 de outubro de 2012

Guerra é guerra? (um post sobre violência em SP)


Hoje fiquei me questionando, quem é mais bitolado? Nós que assistimos Jornal Nacional e Globo News, altamente higienizados, ou os que assistem ao Cidade Alerta da Record? Enquanto discutimos de forma asséptica a política, as eleições, o julgamento do mensalão, uma guerra esta em curso no submundo paulista. Policiais Militares e supostos bandidos têm se enfrentado diariamente nos bairros da periferia, em especial no extremo sul da capital e no litoral santista. 

Nos últimos seis dias, 44 pessoas foram assassinadas em SP capital. Só de ontem pra hoje, foram 13. Todas vitimadas em supostas “trocas de tiros” entre bandidos e policiais da ROTA (grupo especial da PM). Vivemos num estado de tensão generalizada em SP, apesar de nossos assépticos jornais não mostrarem isso. Está morrendo gente todo dia, e o que é pior, o discurso dos fascistas têm sido veiculado nos programas policiais: “bandido bom é bandido morto”.

“A polícia tem sido alvo de bandidos e tem que reagir evidentemente” foi a fala de hoje (09/10) de Marcelo Rezende, apresentador do programa Cidade Alerta (Record).

Mas quem são estes bandidos afinal? Aquilo que nós jornalistas aprendemos desde cedo que é NÃO dar como certo algo que é passível de ser questionado, ou seja, a usarmos o “suposto” antes das palavras ladrão, assaltante, bandido para tratar de alguém que é suspeito de cometer algum crime, parece que é ensinado de forma contrária nos cursos preparatórios da PM em SP. Em São Paulo, mata-se primeiro e pergunta-se depois. Inquérito? Pra que inquérito? Pra que julgamento? A Lei tem sido a da Execução Sumária.

Alckmin (PSDB), governador do Estado de SP, teve a pachorra de dizer em entrevista ao Jornal Nacional que o problema é de fronteira, de tráfico de armas e de drogas, ou seja, do Governo federal. Mas não tocou nem de leve na polêmica em torno das ações da ROTA nos últimos meses. Mata-se policial, mata-se bandido, mata-se policial bandido, mata-se bandido treinado por policial. Tem bomba; o arsenal é de guerra!

Como reagir a isso? Realmente não sei. Mas o fato é que há um processo de militarização da capital paulista (e outras regiões) que assusta. E que essa militarização não tem se revertido em maior sensação de segurança, ao contrário, aumenta a sensação de que, de fato, estamos em GUERRA! E se Guerra é Guerra, a questão é de que lado você samba...

sábado, 22 de setembro de 2012

Mostra de Psicologia: negros são mais vulneráveis ao sofrimento psíquico


Fonte: Cida de Oliveira, Rede Brasil Atual, em 22/09/2012.
Foto: Roberto Parizotti

Com a ampliação do atendimento público à saúde mental, os negros estão tendo mais acesso ao tratamento psicológico. No entanto, os psicólogos não estão preparados para atendê-los

São Paulo – O racismo historicamente imposto à população negra no Brasil é a principal causa do sofrimento psíquico, que afeta muito mais os negros do que os brancos. O alerta foi feito pela cineasta carioca Janaína Oliveira, mais conhecida como Re.Fem, militante do movimento negro e Hip Hop e consultora de entidades do setor durante sua participação na 2ª Mostra Nacional de Práticas em Psicologia, realizada em São Paulo.

O evento, que termina amanhã (22), celebra os 50 anos da regulamentação da psicologia como profissão no Brasil. O objetivo de sua palestra foi sensibilizar os psicólogos para um atendimento mais adequado a essa população, que aos poucos passa a ter acesso a esses profissionais que cada vez mais atuam em serviços públicos de saúde mental, como os Centros de Atendimento Psicossocial (CAPs).

Para a cineasta Janaína Oliveira, o racismo atrapalha o acesso à saúde, à educação e ao mercado de trabalho 
“O Brasil é extremamente racista, os negros sofrem todo tipo de racismo, sendo desfavorecidos no acesso à saúde, à educação, ao mercado de trabalho”, destacou Janaína. “Quando não consegue entrar na faculdade, por exemplo, tende a se achar incapaz de passar num vestibular. Do mesmo modo, se sente culpado por não obter um bom emprego, quando na verdade é o racismo que cria condições desiguais de acesso.” Segundo a cineasta, essa cobrança por melhores resultados num contexto desfavorável, de racismo e discriminação, aumenta a angústia e sofrimento psíquico. “Os psicólogos devem ser sensibilizados para a questão e ser capacitados para atender a essa população de maneira mais apropriada”, afirmou.

A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, promulgada em 2008, é referência para políticas públicas do setor. Segundo o documento, os negros têm o direito ao atendimento psicológico permanente do nascimento ao envelhecimento. “Muito embora os movimentos negros comecem a fortalecer a luta por esses direitos, eles ainda nem começaram a sair do papel”. No evento, Janaína recebeu o prêmio Paulo Freire, que reconhece o trabalho de pessoas que se dedicam à defesa dos direitos humanos.



terça-feira, 11 de setembro de 2012

Governo terá programa para garantir permanência de estudantes cotistas nas universidades públicas


Fonte:  Gilberto Costa // Repórter da Agência Brasil

Edição: Lílian Beraldo

Brasília – O Ministério da Educação (MEC) e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) preparam um pacote de medidas para assegurar a permanência de estudantes cotistas que ingressem nas universidades públicas e institutos federais, conforme a Lei de Cotas Sociais (12.711/2012) que destina 50% das vagas para estudantes oriundos de escolas públicas.

Os estudantes cotistas, com dificuldades de permanecer na universidade (por necessidade de trabalhar, dificuldade de deslocamento ou falta de recursos para comprar livros e instrumentos para fazer o curso) poderão ser beneficiados com o pagamento de bolsas e auxílios especiais. Os valores ainda não foram estabelecidos.

Além disso, o governo quer que as comunidades acadêmicas das universidades e dos institutos (que terão quatro anos para implantar progressivamente o percentual de reserva de vagas) estejam preparadas para receber os cotistas. De acordo com a lei, cada instituição deverá preencher as cotas com autodeclarados pretos, pardos e indígenas na mesma proporção populacional de cada estado.

Para o caso dos estudantes negros, uma ideia é criar centros de convivência negra (como o implantado na Universidade de Brasília (UnB), uma das primeiras a ter sistema de cotas no país). “Nós estamos trabalhando junto com o Ministério da Educação num grande programa que vai facilitar a permanência do estudante, não só a partir de auxílio permanência, mas também de adaptar a universidade para esse público”, destaca o secretário executivo da Seppir, Mário Lisboa Theodoro.

O cálculo do governo é que o número de alunos negros cotistas suba dos atuais 8,7 mil para 56 mil estudantes daqui a quatro anos. O crescimento terá grande efeito social, espera o governo. “Se é pela escolaridade que se abrem as portas do emprego, as desigualdades tendem a ser minoradas”, pondera a coordenadora-geral para Educação de Relações Étnica-Raciais do MEC, Ilma Fátima de Jesus.

Mário Theodoro espera, além do impacto social, um efeito “simbólico”. “Teremos profissionais negros de nível superior, gabaritados e em quantidade que não temos hoje. Vamos ter uma elite intelectual mais com a cara de todo o povo”, salientou.

Segundo o secretário, o governo também vai monitorar o desempenho acadêmico e o ingresso no mercado de trabalho dos cotistas formados. “Estamos verificando em alguns momentos e em situações pontuais estigmas com relação aos cotistas, o que é um absurdo. Nós vamos monitorar para saber se há algum problema no mercado de trabalho”, informou.

O MEC e a Seppir participam hoje (11) à noite, em Brasília, da audiência de conciliação no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, para discutir o mandado de segurança de autoria do Instituto de Advocacia Racial (Iara) e do pesquisador de gestão educacional Antônio Gomes da Costa Neto contra o parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) que liberou a adoção do livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato (escrito em 1933), no Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE).

A posição do governo é contrária à censura ou suspensão do livro. “Não se trata de vetar, mas indicar que precisa ser lido a partir da crítica”, salienta Ilma Fátima de Jesus, do MEC. Segundo ela, o PNBE não deve adotar nenhuma obra que coloque “a pessoa em situação vexatória”.

“É importante que essas obras sejam veiculadas porque fazem parte da história e Monteiro Lobato é uma figura importante. Vejo que têm que ser discutidas criticamente. Algumas passagens que hoje em dia ferem muito mais os ouvidos da sociedade brasileira do que feriam alguns anos atrás. Isso tem que ser contextualizado”, concordou Theodoro.

O advogado Humberto Adami, do Iara, também defende a contextualização e alerta para riscos de preconceitos. “Não se pode permitir que essas expressões racistas de outro momento entrem impunemente e reproduzam ou reinventem o racismo em sala de aula. Depois não adianta fazer campanha contra bullying na escola.”


domingo, 9 de setembro de 2012

Aos 70, Dorothy Counts relembra a experiência de ser a 1ª menina negra em um colégio de Charlotte


Dorothy Counts tinha 15 anos quando se tornou a primeira menina negra no colégio Harding, em Charlotte, sul dos EUA. Era 4 de setembro de 1957, e a cidade tentava a integração racial.

Por cinco dias, ela resistiu a pedras, cuspe e insultos. A provação a levaria a dedicar a vida à educação e viraria uma das imagens mais poderosas na luta por direitos civis que culminaria em Barack Obama.

Eu ainda lembro daqueles dias. Tinha 15 anos, mas não é algo que vá esquecer. É parte da minha vida.

Antes daquele dia, minha família teve uma discussão sobre eu entrar em Harding. Meus pais inscreveram eu e dois dos meus três irmãos, mas só eu fui escolhida --meu irmão [mais velho] foi para a Escola Central de Charlotte.

Foram cinco famílias escolhidas; quatro decidiram ir adiante. Eu era a única menina [negra] em Harding.

Meu pai era professor na Universidade Johnson C. Smith [majoritariamente negra] e pastor. Minha mãe se formou na faculdade mas era dona de casa, e na minha adolescência foi supervisora de um dormitório escolar.

Durante anos, conversamos sobre uma boa educação, algo muito importante na minha família, e igualdade. Quando eles foram abordados para nos inscrever, hesitaram, mas conversaram conosco sobre o que aconteceria. Era parte de um processo, sabíamos que alguém tinha de fazer, e avançamos.

Eu tinha ido a uma conferência mundial da juventude presbiteriana em Iowa, e tinha sido boa uma boa experiência, a minha primeira em um mundo não-segregado.

Por isso, quando voltei e soube que tinha sido aceita em Harding, não pensei muito a respeito. Mas coisas tinham ocorrido antes do primeiro dia de aula, e meus pais não me contaram, porque não queriam que eu chegasse à escola com medo. Falamos só sobre como eu devia me comportar.

O primeiro dia

Quando meu pai me levou naquela manhã, um de seus amigos da universidade, o dr. Thompson, nos acompanhou-- é ele, naquela foto [a icônica foto em que Dorothy é cercada por colegas agressores]. A rua estava bloqueada, e meu pai tinha ido procurar onde estacionar. Quando eu vi toda aquela gente, não pensei no que poderia acontecer. Eles tinham sabido pelo jornal que quatro estudantes [negros] tinham sido selecionados para escolas predominantemente brancas.

Dorothy em 1942.
Em Harding havia uma mulher que fundou um tal de Conselho Branco e que pediu às pessoas que impedissem que a integração acontecesse. Ela estava lá no meu primeiro dia, e ela incentivou os alunos a me impedirem de entrar, a me cuspirem. Na foto não há só alunos, há adultos. E há crianças menores que foram lá só para isso.

Mas por causa das conversas como meus pais, meus avós, eu sabia que estava lá por uma razão. Mantive minha cabeça erguida e entrei.

Os alunos fizeram o que a mulher pediu. Eram adolescentes, quando começam é difícil parar. Quando entrei, sentei sozinha no auditório. Muito do que fizeram comigo foi pelas minhas costas. Ninguém me orientou. Eu então fui chamada a sentar com os colegas da minha classe, mas não teve nenhuma orientação especial da diretoria.

Não houve preparação da diretoria para aquele dia, e isso fez diferença [em relação a outras escolas integradas].

O diretor tinha dito ao meu pai que não sabia o que aconteceria comigo. Ele nunca fez nada, mesmo vendo o que acontecia. Meu armário era perto da sala dele, e muita coisa me aconteceu naquele corredor. Ele nunca interveio.

Nem os professores. O lugar que me coube foi no fundo da sala. Eu levantava a mão, ninguém me chamava. Eu não sabia o porquê.

Cinco dias

Fiquei lá quatro dias --- na verdade, cinco. Em cada um deles, ao voltar para casa, meus pais me perguntavam como tinha sido, eu lhes relatava, e meu pai me perguntava se eu queria voltar.

Eu dizia que sim, pois achava que o dia seguinte seria melhor e perceberiam que eu era como eles, só a cor da pele era outra. Só uma adolescente que queria estudar.

No meu penúltimo dia, aconteceu um incidente na cantina. Fui cercada por uns garotos que cuspiram na minha comida. Naquele dia, perguntei aos meus pais se eles poderiam passar a me buscar para almoçar em casa, já que a escola permitia.

Mas quando estava mexendo no meu armário, pela primeira vez, eu senti a violência física. Empurrões e xingamentos eu podia aguentar. Mas ali senti algo me atingir nas costas e na nuca. Nas costas foi um apagador; na cabeça eu não sei. Mas era afiado.

Na saída, vi meu irmão esperando no carro e, pela primeira vez, tive medo. O vidro de trás estava estilhaçado.

Aí percebi que não era só eu o alvo, era minha família.

Contei naquele dia aos meus pais o acontecido. Meu pai disse que sabia o que eu responderia, e ligou para a polícia e para o superintendente das escolas. Isso provavelmente foi o que o levou a me tirar de Harding, porque o superintendente lhe disse que não estava sabendo de nada, que indagara à escola e ninguém lhe dissera que eu tinha tido problemas.

Eu estava lá para receber educação, e não era isso que estava acontecendo.

Segregação

Em Charlotte, havia segregação. Sentíamos no dia-a-dia, mas era a norma. Crescemos assim. Não questionávamos. É irônico, porque eu morava nesse bairro [formado principalmente pelas famílias de professores negros da universidade], não muito longe desta casa --e por isso quis mudar de volta para cá há dez anos. Meus amigos eram os vizinhos. Sabíamos que não podíamos ir a alguns cinemas, nem a todos os restaurantes, e não podíamos nos hospedar em muitos hoteis.

Sabíamos disso, não achávamos certo, mas era a norma. Só que o que aconteceu naqueles dias na escola nunca tinha me acontecido antes. Havia brancos aqui no bairro, mas eram de classe baixa -- os negros eram de classe média, média alta, por causa da universidade-- e eram eles que iam a Harding.

Um ano antes do evento que marcou os 50 anos daquele episódio, em 2007, eu conheci um dos meninos na foto. O avô dele era policial, ele me contou como foi criado.

Eram dois mundos diferentes. Ficamos amigos, Woody Cooper. Algumas pessoas se aproximaram de mim na época do evento, mas Woody foi quem continuou meu amigo.

Eu lhe dizia que crescemos em culturas distintas, e que era o momento certo de fazermos [os negros] o que fizemos, mas eles [os brancos] não estavam preparados. Era cedo, era um teste em Charlotte. Fazia só três anos que a Justiça federal tinha declarado a segregação nas escolas inconstitucional.

Depois daquilo, a integração foi adiada por três anos. Foi um vexame na cidade, a foto [do primeiro dia de aula] rodou o mundo. Mas isso despertou um debate sobre como melhorar as coisas aqui. E as coisas melhoraram. Meus filhos estudaram em escolas públicas aqui, e era muito melhor porque havia o transporte escolar para alunos de outras comunidades, para que as escolas não fossem homogêneas.

Quando isso acabou, muitas escolas passaram a ser frequentadas só por crianças negras e latinas, por conta do lugar onde vivem. Elas recebem menos recursos, um tratamento de segunda classe.

Formação

Eu me formei em psicologia. Quando terminei a faculdade, sabia que queria fazer algo para ajudar famílias. Trabalhei como assistente social por um ano em Nova York, depois fui para uma pré-escola, e foi assim que passei a trabalhar com educação infantil e voltei para Charlotte.

Depois [do incidente], passei um ano na Filadélfia com meus tios, para frequentar a escola lá. Meus pais achavam importante eu ir a uma escola integrada para não ficar com a impressão que todo mundo era como em Harding.

Depois desse ano, meus pais me puseram em um colégio interno em Ashville, no oeste da Carolina do Norte. Era uma escola da Igreja Metodista para meninas, onde as alunas eram negras mas os professores eram mistos.

Quando resolvi estudar na Johnson C. Smith, aqui, meus pais se surpreenderam. Mas eu estava longe de casa havia três anos, e nós éramos uma família unida. Queria estar aqui.

Depois de me formar, em 1964, fui para Nova York, onde arrumei um emprego no departamento social. Meu primeiro trabalho foi em um abrigo para crianças abandonadas e abusadas.

Depois dei aulas em uma escola infantil, e voltei a Charlotte de novo.

Minha experiência em Harding moldou minha vida. Aos 15, decidi que o que fosse que fizesse, seria para garantir que nenhuma outra criança passasse pelo que eu passei. E as coisas que fiz nos meus mais de 50 anos trabalhando foram nesse sentido. Fui professora infantil, dirigi programas de educação e trabalhei com uma organização sem fins lucrativos, da qual me aposentei em julho. Foquei em mostrar aos pais como é importante educar as crianças desde o nascimento, mesmo antes da escola. Sinto falta dos meus colegas, dos jovens, mas continuo ativa. Sou próxima da universidade e quero fazer trabalho voluntário lá, e em outro programa para crianças em Charlotte.

Dorothy Counts, 70, educadora infantil, relembra a experiência da tentativa de integração racial nas escolas
Barack Obama

Você não tem ideia de como me senti quando o presidente [Barack] Obama foi eleito. Fiquei tão empolgada! Naquele ano, assisti a todos os debates, li e ouvi tudo que foi dito. E na noite da eleição, decidi que queria ficar sozinha em casa, não ir a nenhuma festa, e esperar os resultados. Fossem quais fossem, queria estar sozinha ao ouvir.

Há 55 anos, não passava pela minha cabeça que eu viveria para ver isso. Não que eu achasse que não pudéssemos, mas é que ele [Obama] é fenomenal, posso ouvi-lo sem parar e vejo nele a mesma paixão e preocupação com as pessoas que eu tenho.

Quando ele ganhou a eleição, pensei que tínhamos de apoiá-lo, porque ele herdou uma bagunça. Eu já dizia que esperava que ninguém achasse que ele ia consertar de uma vez, em quatro anos, o que levou oito para fazer. Espero que as pessoas entendam.

Se acho que esperam mais dele por ele ser o primeiro presidente negro? Com certeza, e acho que isso é parte do porquê [de haver gente frustrada]. Mas é interessante, eu sei que sou negra, e sei que ele é negro, e claro que isso me empolga, porque vi a mudança avançar em vários níveis. Mas também acho que ele era o mais qualificado dos dois candidatos que concorreram em 2008. Agora acho a mesma coisa.

Perdão

[Quanto ao perdão,] só Woody se desculpou comigo.

Saiu uma reportagem a meu respeito no jornal local, e na mesma semana ele tivera uma aula na igreja sobre perdão. Recebi um email do repórter dizendo que tinha uma pessoa tentando entrar em contato comigo, se ele podia dar meu email. Disse ok, e ele [Woody] me escreveu.

Ele pediu perdão, me contou quem era, me disse que se sentia mal e que gostaria de ter intervindo naquele primeiro dia, e não o fez.

Eu levei dias para responder, porque ele foi o primeiro a me pedir perdão. Respondi e continuamos a nos corresponder por seis meses.

Um dia, ele me convidou para ir jantar com ele, a mulher e um rapaz. Nós nos encontramos em um restaurante na cidade onde, naquela época, ele poderia comer e eu, não. Foi lá que jantamos.

Continuamos a nos falar, desenvolvemos uma bela amizade. Ele morreu de câncer no ano passado. A mulher dele me considerava parte da família, assim como ele.

Duas pessoas se desculparam quando passou um documentário sobre a escola, mas não mantivemos contato. Woody foi o único que pediu perdão e de fato sentia. Fomos amigos por quatro anos, e podemos dizer como o perdão é importante.

Na escola, houve só uma menina [que falou comigo]. Ela era nova lá, e se aproximou de mim no segundo dia, que foi o melhor dia. Voltei para casa e disse aos meus pais que ao menos tinha uma amiga. Mas no dia seguinte ela me ignorou. Há uns 30, ela mandou uma carta para uma TV local que fez um programa comigo, para me reencaminharem, pedindo que eu entendesse o que aconteceu. Eu já sabia. Ao se aproximar de mim, ela e a família receberam ameaças, e os pais a mandaram se afastar.

Netos e filhos

Meus cinco netos sabem da minha história. Meu neto mais novo, que nasceu na Tailândia [o filho é diplomata e é casado com uma francesa], viu a foto no jornal e me perguntou porque fizeram aquilo. Ele tinha cinco anos na época, queria saber por que as pessoas foram "malvadas". Hoje, aos nove, ele entende.

Acho que a identidade negra nos EUA está mais evidente hoje do que há 20 ou 30 anos, porque as pessoas temiam que ela se apagasse. Depois da integração, havia alguns negros que achavam que para serem bem-sucedidos não podiam se associar a essa identidade, achavam que tinham de emular os brancos que viam à volta. De uns 30, 20 anos para cá, porém, isso começou a voltar com mais força.

Meus dois filhos são adotados, e ambos são mestiços. É uma coisa que eles tentaram entender desde pequenos, e tentaram buscar com quem se identificar.

Meu irmão pesquisou nossas origens. A minha família é muito misturada. Mesmo assim, sei quem eu sou. Sou negra. Sou uma mulher negra. Sou uma mulher negra e orgulhosa.

Fonte: Jornal Floripa (Atualizada em 09/09/2012 às 11h20min)
Foto 1: Don Sturkey
Foto 2: Luciana Coelho/Folhapress  

sábado, 28 de julho de 2012

“Muitas vezes as pessoas se chocam quando veem o racismo colocado explicitamente, mas é essa cara feia mesmo que ele tem”



Em entrevista ao programa Bom Dia Ministro, na última quarta-feira (25), a ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Bairros, conversou com âncoras de emissoras de rádio de todo o País. Na pauta, a efetivação do Estatuto da Igualdade Racial, que completa dois anos, o Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha e questões relativas à população negra, como mercado de trabalho e combate ao racismo e à discriminação. 

Leia abaixo trechos da entrevista, editada pelo Em Questão.

Discriminação

Muitas vezes as pessoas se chocam quando veem o racismo colocado explicitamente, mas é essa cara feia mesmo que ele tem. Até bem pouco tempo, essas manifestações eram reprimidas, escondidas. Hoje, nenhuma mãe de criança negra aceita mais que sua filha ou seu filho seja discriminado sem denunciar isso.

Racismo e inclusão

Nós estamos experimentando um processo, ainda que gradual, de inclusão da população negra em determinados espaços e infelizmente, a tendência é que o racismo aumente. A presença das pessoas negras em lugares onde normalmente ou historicamente elas não frequentavam, aumenta esse tipo de reação.

Mercado de trabalho

A presença da mulher negra no mercado de trabalho ainda é muito marcada pelo fato de o trabalho doméstico representar a ocupação que absorve um maior número de mulheres negras. São cerca de sete milhões de trabalhadores domésticos em todo o Brasil e desses, pelo menos seis milhões são mulheres e a maioria é negra.

Cotas

Temos um bom caminho andado naquilo que se refere às cotas no ensino superior no Brasil. O nosso trabalho, agora, tem sido no sentido de fazer com que isso se realize também com relação à questão do emprego e esse processo tem começado pela reserva de vagas nos concursos públicos.

Emprego e renda

As diferenças do rendimento médio entre negros e brancos, se devem  ao fato de a maioria dos trabalhadores negros estar inserida em ocupações cujo salário é menor. Temos que fazer um investimento no combate a posturas discriminatórias no mercado de trabalho e em educação, para que os negros se coloquem em posição de disputar posições mais valorizadas.

25 de Julho

O Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha (instituído em 1992) tem um significado importante para todos nós. A data tem esse poder de resgatar o que é a participação das mulheres negras nessa história recente.

Denúncias

O Ministério Público é sempre uma porta aberta para o acolhimento de denúncias. A Seppir tem a Ouvidoria Nacional da Igualdade Racial, que pode ser acessada pelo número (61) 2025-7000. Não há nenhuma restrição de tipo de caso, das circunstâncias em que ele ocorre.

Educação antirracista

Existe, desde 2003, uma lei que modificou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, tornando obrigatório o ensino da história, da cultura africana e afro-brasileira. Existe no governo federal um trabalho do Ministério da Educação para fazer com que essa obrigatoriedade seja observada pelas secretarias estaduais e municipais. Nós dependemos também da mobilização de pais e mães, porque não é apenas a ação do governo que pode contribuir para o combate ao racismo.

Olimpíadas

O plano de ação conjunto Brasil e Estados Unidos deu essa possibilidade para que a experiência das Olimpíadas de Atlanta pudesse ser trazida para nós. Atlanta é um exemplo de como foi possível criar toda uma cadeia de relações, no sentido de fazer com que a preparação para os jogos criasse um dinamismo econômico no interior da população negra.

Obras

Em todos os grandes contratos de construção (para as Olimpíadas de Atlanta), havia a obrigatoriedade de trazer a subcontratação de empresas menores, comandadas por pessoas negras.

Comunicação social

Também fizeram uma experiência bastante interessante do ponto de vista da questão da comunicação, convocando jovens negros, estudantes de comunicação de várias universidades para comporem, junto com todas as outras emissoras de rádio e de televisão, equipes com a participação efetiva de jovens negros.

O programa é transmitido ao vivo pela TV NBR e pode ser acompanhado na página da Secretaria de Imprensa da Presidência da República.

Fonte: Pantanal News, em 27/07/2012

terça-feira, 17 de julho de 2012

Fotógrafa registra expressivo mundo religioso gaúcho de origem negra


Durante quatro anos, Mirian Fichtner fez uma imersão no tema, que resultou no projeto Cavalo de Santo - Religiões Afro-Gaúchas

Um olhar apressado para as fotos desta página poderia fazer o leitor pensar que se trata de manifestações religiosas afro-baianas. Cariocas ou maranhenses, talvez. Mas não, as imagens retratam uma faceta menos conhecida do Rio Grande do Sul, cuja identidade primeira sempre foi branca e europeia.

Desconhecida até mesmo da autora do trabalho, a fotógrafa gaúcha Mirian Fichtner, 50 anos. Durante quatro anos, ela fez uma imersão no tema, que resultou no projeto Cavalo de Santo - Religiões Afro- Gaúchas, formado por exposição, livro e um documentário ainda em produção.

Uma das imagens da mostra Cavalo de Santo, da fotógrafa Mirian Fichtner, que será aberta quinta, no Museu  Nacional da Cultura Afro-Brasileira
Depois de passar por Porto Alegre e Rio de Janeiro, a exposição chega a Salvador, ao Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira, na Rua do Tesouro, Centro. A abertura, para convidados, será quinta, com a presença  de Mirian  e de algumas das autoridades religiosas retratadas no projeto.

Invisibilidade

Mirian atentou para o universo ancestral afro-gaúcho a partir de um texto sobre o Censo 2000. Segundo o IBGE, o RS é o estado que concentra o maior número de terreiros (30 mil) e de adeptos declarados de religiões de origem africana no país, com um total de 1,62% da população. Estão lá as 14 cidades com mais seguidores do candomblé e da umbanda, ficando Itaparica, na Bahia, no 15º lugar.  Os dados foram ratificados em 2010.

“Minha primeira reação foi pensar: ‘Que estranho, sou de lá e nunca percebi isso’”, conta Mirian, radicada no Rio há 25 anos e com passagens por veículos como Veja, O Globo e IstoÉ. Foi o start para ela se aprofundar no assunto, a partir de 2005. Juntamente com o marido, o jornalista Carlos Eduardo Caramez, a fotógrafa mapeou cem casas religiosas, visitou 30 e fechou com as 15 mais tradicionais, que passou a acompanhar.

Cavalo de Santo mostra em fotos vigorosas como estas manifestações acontecem, suas características mais marcantes e personagens importantes. Nomes como a ialorixá Mãe Graça de Oxum, da cidade de Rio Grande, que teve a casa fechada em 2003 e iniciou uma batalha contra a intolerância religiosa. Localizada no Extremo Sul, a cidade portuária  foi porta de entrada dos negros no estado.

Costela e polenta

Além do Rio Grande, Pelotas e Região Metropolitanta de Porto Alegre concentram os terreiros gaúchos. Por lá, o culto aos orixás se chama Batuque ou Nação, que reúne o panteão religioso de nações como angola, gegê-nagô e cabinda. Entre diferenças e aproximações com a Bahia, é curioso ver, por exemplo, uma costela de boi entre as oferendas pra Ogum. Ou polenta e batata, misturados à pipoca e farofa.  

Os orixás cultuados, afirma pai Cleon de Oxalá, 72, são basicamente os mesmos daqui. À frente da casa Reino de Oxalá – que já tem mais de 50 anos –, Pai Cleon representa a tradição cabinda. Elogiando o trabalho de Mirian, que achou “ótimo”, ele só faz uma ressalva em relação às fotos que mostram sacrifício de animais.

“Acho que não precisava, porque ainda tem muito preconceito e pode chocar algumas pessoas”, diz. Realizadas no Ilê dos Orixás, as imagens, diz Mirian, foram devidamente autorizadas pelo líder da casa. “Nunca transgredi o ponto de vista religioso, mas faz parte da cultura”, pontua Mirian, que incluiu as fotos no livro, mas não na exposição.

Mãe Graça de Oxum no porto de Rio Grande. Cidade no extremo sul foi porta de entrada dos negros no RS

Calada da noite 

Além do Batuque, a fotógrafa registrou manifestações da umbanda – com seus caboclos e pretos velhos – e da linha cruzada ou quimbanda, que cultua exus, pombagiras e ciganos.  Parte das fotos foi feita em festas públicas como a de Oxum, em 8 de dezembro, que  reúne milhares de pessoas às margens do rio Guaíba.

“Quase todas as festas são realizadas à noite ou na madrugada, o que reflete ainda uma grande discriminação”, afirma. Por conta disso, continua, teve que encontrar soluções criativas para trabalhar com pouca luz. As principais fontes de inspiração foram os trabalhos dos fotógrafos Pierre Verger (1902-1996) e José Medeiros (1921-1990).

As dificuldades técnicas não foram as únicas de Mirian. Ela bancou com recursos próprios seu projeto, já que nenhuma grande empresa gaúcha topou patrocinar a ideia (grifo nosso). “O preconceito é muito forte, mas o povo de santo me acolheu de forma muito carinhosa”, afirma.

Documentário marca nova fase do projeto

Para a versão baiana de Cavalo de Santo, Mirian escolheu 25 fotos, que são apresentadas num tamanho grande ( 77 cm x  1, 03 m). As imagens também ganham projeção num telão em alta definição, acompanhadas de sons que embalam os rituais. Em Salvador, Mirian também venderá as imagens expostas (com valores de R$ 750 a R$ 1 mil) e uma série de pôsteres (R$ 25). Parte da renda será revertida para os terreiros gaúchos.

“Priorizei  a plasticidade das fotos”, diz Mirian, acrescentando que usa a cor como um forte elemento expressivo. Dando sequência ao projeto Cavalo de  Santo, ela está preparando um documentário, para o qual está entrevistando vários religiosos gaúchos.

Mirian também pretende lançar uma segunda edição do livro - que está esgotado -, trabalho vencedor do II Prêmio Nacional de Expressões Afro-Brasileiras, concedido pelo Cadon/MinC/Petrobras  no ano passado.

Fotos: Mirian Fichtner
Texto: Ana Cristina Pereira (ana.pereira@redebahia.com.br)
Fonte: Correio da Bahia (http://migre.me/9W4oC)

*****

Nota do Blog: É interessante perceber, primeiro, que essa matéria revela o quanto conhecemos pouco nossos “brasis”. Eu mesma só fui me atentar para uma relevante população negra no Rio Grande do Sul (1.725.711 pelo CENSO 2010 são pardos e negros - 16,14%, da população) quando por conta da participação de um negro no movimento estudantil de Comunicação entre os anos de 2003-2005.

Depois disso, é claro, não apenas descobri que o Estado sulista tinha uma grande população de origem afro-brasileira, como também percebi que lá, as religiões de matriz africana eram bem estruturadas e combativas (foi no Estado do Rio Grande do Sul que pela primeira vez se obteve na Justiça o direito ao sacrifício de animais em ritos religiosos de matriz africana).

A matéria acima traz à tona esse desconhecimento e, quando não, nosso preconceito quanto a isso. O desconhecimento é reiterado pela própria fotógrafa que, ao descobrir a quantidade de terreiros no Estado sentiu-se impelida – eu diria positivamente obrigada – a fotografar e retirar da invisibilidade essa manifestação religiosa no Rio Grande do Sul; e o preconceito, posto à tona, pela falta de patrocínios revelados pela fotógrafa.

De uma certa forma parece que os possíveis patrocinadores do Rio Grande do Sul não veem relevância em [des]cobrir essa outra identidade sulista, que cotidianamente nos é encoberta pela repetição [enfadonha, eu diria] de que no Sul existem apenas descendentes de alemães. Logo, apenas as práticas ditas, de origem europeia, preservam o privilegio de serem patrocinadas e exploradas comercialmente enquanto identidade daquele povo. Uma pena!


sábado, 7 de julho de 2012

Eu neguinha ou sobre o politicamente correto do Bial


Quarta-feira passada, na casa de uma amiga, vendo a final da Copa Libertadores da América (sem o nome do banco patrocinador) entre Corinthians e Boca Juniors, conversávamos sobre as confusões que podem ocorrer dentro do campo de futebol entre os jogadores. A tela da TV mostrava o jogador Emerson, do Corinthians, respondendo a uma provação com um gesto, como se dissesse “beija aqui”.  

Lembramos, nós que gostamos de esporte, dos jogos entre Brasil e Cuba no vôlei feminino (Atlanta 1996), quando a rede – que supostamente separava os dois times – virou palco para uma batalha “campal” entre brasileiras e cubanas. Referiu-se ao episódio um amigo:
“aquelas negas são foda!” e rapidamente, olhou para mim e perguntou “o que você acha disso que eu falei ‘aquelas negas são foda!’?

Eu respondi: “Não achei nada. Acho que elas são foda mesmo!”

Como vocês podem ver, esse post nada tem a ver com o esporte, não fosse ele gerado a partir de uma conversa durante um jogo de futebol. Ele, na verdade, vem tratar do preconceito nosso de cada dia. Bem da verdade, não senti absolutamente nada com o comentário do meu amigo; sem hipocrisia. Não vejo problemas em chamar os negros de negros ou “negos”, no palavreado comum. Não me importo de ser chamada por meus amigos de “nega”, que muitas vezes é uma forma carinhosa de tratamento. E, não comungo de um policiamento linguístico que, muitas vezes, na pretensão de garantir o politicamente correto, não leva em consideração a etimologia da palavra, ou seja, sua origem e sua história na historia do discurso social. Uma coisa é evitar palavras como “denegrir”, outra bem diferente, é evitar termos como “clarear”, que em nada tem a ver com a cor e sim com o par antagônico claro x escuro.

O programa Na Moral, apresentado pelo jornalista Pedro Bial, e que estreou na última sexta-feira, dia 6 de julho, tentou fazer um debate – “sem papas na língua” – sobre a questão do politicamente correto. O músico Alexandre Pires esteve no programa para dar seu testemunho sobre seu clip recentemente lançado e, posteriormente acionado pelo Ministério Público por ter, supostamente, incitado o racismo ao colocar homens vestidos de gorilas. Não vou falar do clip, pois acho que desse muita gente já falou. Se posso aqui empenhar alguma opinião, vou em direção daquela que já foi dita e redita por aí: “não é racista, mas é esteticamente de mau gosto” e como o gosto, muitos acreditam, não pode ser discutido, não vou me debruçar na discussão sobre esse. Além disso, comungo da opinião feminista, pois “o vídeo coloca as mulheres, mais uma vez, na posição de objeto sexual”. É, portanto, machista.

Na linha da discussão do politicamente correto, me chamou a atenção o fato de o apresentador do programa ter colocado a questão como se fosse algo que vitimasse as pessoas. “Será que estamos sendo vítimas do politicamente correto?”, perguntou ele durante o programa. E “você é vítima da ditadura do politicamente correto?” é a pergunta que estampa a parte interativa do programa no site da Globo.com.

A minha pergunta vai numa outra direção “afinal, quem é vitima do quê nesta arenga?”.

Bom, eu não acho que “as leis devam prever a linguagem dos jornais” (essa é outra pergunta feita no site do programa para avaliar se você é vitima da tal ditadura), porém, acho que temos que ter, garantidas em leis, formas de nos defendermos sim, de possíveis “usos da linguagem no jornal”.  Afinal, por que o nome de Carlinhos Cachoeira foi precedido do atributo profissional “empresário” no jornal Folha de São Paulo de 27.06.2012 e o nome do meu primo Arthur Junior foi procedido pela expressão “vulgo Juninho”, quando ele, em 2004, morreu por afogamento no Estado Espírito Santo? O que impõe a escolha dessa ou daquela palavra? O que determina que um repórter, apresentador ou pessoa comum utilize essa ou aquela expressão para se remeter a um fato ou pessoa?

Parece que, no entendimento colocado pelo programa, as palavras e expressões são meros usos corriqueiros da linguagem, não estando elas ligadas a nenhuma concepção de mundo, a nenhuma disputa por posição e por poder nesse mundo. Pero, caros amigos, há um engano nessa pretensão de que as palavras são vazias, transparentes, ou meras representantes abstratas de algo. A palavra, como já diria o filósofo Mikhail Bakhtin, “é a arena onde se confrontam os valores sociais contraditórios”.

O fato de eu aceitar – e gostar – de ser chamada de “negra”, “nega” ou “neguinha” por pessoas próximas e amigos não significa que as mesmas palavras, ditas em outro tom e em outras condições de discurso, sejam aceitas por mim da mesma forma. Na verdade, essas palavras são ressignificadas por mim dia-a-dia e dependem sim do tom e da posição de quem as imputa. E, ainda bem que existem leis que me garantem o direito de reagir aos discursos ofensivos!

As leis estão aqui para nos propiciar – sem recair em censura prévia, é claro – a garantia de que a nossa linguagem não vá ser usada como arma a favor do preconceito e da violência, como, aliás, foi durante muito tempo. Em outras palavras, instituir “como ditadura” o politicamente correto é sombrear o debate, ao invés de torná-lo mais claro (claro sim, no sentido de lúcido, esclarecido).  Se é pra falar de vitimização: é menos vítima quem detém a palavra do que quem é alvo dela, pois as posições de fala estão sempre vinculadas às posições de poder estabelecidas em qualquer sociedade.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Imigrantes denunciam assassinatos e agressões em SP


Manifestantes, em sua maioria imigrantes africanos no Brasil, que faziam um protesto contra o racismo e a xenofobia nesta quinta-feira (21) em frente à Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, denunciaram casos de assassinatos e agressões de negros e imigrantes latinos.

Entre os pedidos das entidades que participaram do protesto, o grupo requer um pedido imediato de desculpas da presidenta Dilma Rousseff ao povo africano em razão do assassinato da estudante angolana Zulmira de Souza Borges Cardoso, morta há um mês no bairro do Brás, em São Paulo. Eles pedem também o acompanhamento do caso pelo Ministério da Justiça e pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

“Queremos justiça pela Zumira. Queremos justiça pela comunidade negra africana. Só em 2012 tivemos dez casos de racismo contra africanos em geral no Brasil”, disse Marcel Sebastião de Carvalho, representante a União dos Estudantes Angolanos em São Paulo.

De acordo com os manifestantes, Zulmira estava com amigos no Brás, bairro paulistano muito frequentado por imigrantes africanos. O agressor teria chamado os angolanos de "macacos", entre outras ofensas racistas. Cerca de 20 minutos depois o homem voltou armado e disparou contra o grupo, ferindo três angolanos e matando Zulmira. A polícia ainda investiga o caso.

Fonte: Jornal do Brasil, 22.06.2012 / Foto: Afrokut

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Artigo apresentado no Congresso ALAIC 2012 problematiza articulação do movimento negro junto à pauta da democratização da comunicação no Brasil


Escrito pela mestranda Cecília Bizerra Sousa da Universidade de Brasília (UnB), o trabalho discute a participação dos movimentos negros na formulação de políticas de comunicação no Brasil, sobretudo no âmbito da organização e revindicação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em 2009. 

Para tanto, a pesquisadora analisou a atuação desses movimentos com base na evolução da participação dos negros na política brasileira e nas suas reflexões e manifestações discursivas acerca do tema “Comunicação e Igualdade Racial”, que desembocaram em um envolvimento direto no processo da 1ª Confecom.

O artigo, intitulado “Movimentos Negros e Políticas de Comunicação no Brasil: a articulação “Enegrecer a Confecom” na 1ª Conferência Nacional de Comunicação” foi apresentado no Grupo de Interesse 3 – Ética, Liberdade de Expressão e Direito a Comunicação – do XI Congresso Latinoamericano de Investigadores de la Comunicación, realizado em Montevidéu, Uruguai, em maio deste ano, pela Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC).

Segundo Cecília, uma das inferências do trabalho aponta que “mobilizadas pelo combate ao racismo e pela aspiração à promoção da diversidade étnico-racial na mídia brasileira, as organizações negras se apropriaram também da luta pelo direito à comunicação, sendo o envolvimento na 1ª Confecom um marco importante desse processo”.

Clique aqui para ler o artigo na íntegra.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Sacola de papel é a que tem melhor condição de biodegradação


ATENÇÃO JORNALISTAS!

Exemplo de como uma boa pauta pode ser transformada numa matéria ruim.

O SPTV pediu ao IPT para fazer um estudo sobre as sacolinhas plásticas que usamos nos supermercados, comparando o nível de biodegradação das mesmas. O IPT fez o estudo durante 45 dias e constatou que as sacolas de papel ainda são as melhores, pois durante a degradação, são as que retornam quantidade maior de gás carbônico para o ambiente, ou seja, são mais consumíveis pelas bactérias que corroem o lixo.

A grande descoberta da pesquisa – além dessa que mostra que as sacolas de papel ainda são as melhores – é que as sacolinhas ditas “ecológicas”, que são vendidas aos consumidores, são as piores para o meio ambiente. Em outros termos, o consumidor vem sendo diariamente enganado pelos fabricantes de sacolinhas e donos de supermercados que vendem as “ecológicas” por R$ 0,25 centavos com a justificativa de que são melhores para o meio ambiente.

A repórter que fez a matéria, no entanto, não destacou esses pontos, que na minha opinião, seriam os mais importantes. Pior que isso, ela aproveitou o final da matéria para promover o comércio das sacolas reutilizáveis, vendidas nos supermercados de São Paulo por R$ 2,50.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Cartilha do Estatuto da Igualdade Racial – Nova Estatura para o Brasil é lançada pelo CEERT


O CEERT - Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades promove o lançamento do material voltado ao Estatuto da Igualdade Racial em parceria com a SEPPIR  e Instituto Feira Preta, no próximo domingo, 06 de maio


Durante a primeira Pílula de Cultura 2012 realizada pelo Instituto Feira Preta, ocorrerá o lançamento da Cartilha do Estatuto da Igualdade Racial – Nova Estatura para o Brasil produzida pelo CEERT.

Para enriquecer o lançamento da Cartilha, uma Roda de Conversa refletirá sobre o seguinte tema: “Direitos passados a limpo – Estatuto da Igualdade Racial”, com as participações de Mafoane Odara (Ashoka), Priscila Preta (Capulanas – Cia. De Artes Negras), Tadeu Kaçula (Samba Autêntico e Rua do Samba), Chindalena Barbosa (Afrika), Samoury (Articulação da Juventude Negra) e Daniel Teixeira Bento (CEERT).

Durante o evento, haverá também a exibição do filme “Vista minha pele”, produzido pelo CEERT, com direção de Joel Zito Araújo & Dandara.

Para acessar a versão online da Cartilha do Estatuto da Igualdade Racial, clique aqui.

Pílula de Cultura

Com o questionamento “Qual é o espaço da cultura afro-brasileira hoje?”, o projeto Pílula de Cultura realizado pelo Instituto Feira Preta leva manifestações artísticas voltadas para a cultura negra contemporânea que normalmente não estão presentes nos grandes circuitos culturais e ao mesmo tempo provocar uma reflexão sobre o espaço que a cultura negra tem ocupado na sociedade brasileira.

Informações:
Pílula de Cultura
Data: 06 de maio, às 16h
Local: Casa das Caldeiras
Endereço: Av. Francisco Matarazzo, 2000 – Barra Funda

domingo, 22 de abril de 2012

Hay negros en Argentina?


Estive recentemente na Argentina, nosso pais vizinho mais querido. Para ser mais precisa, minha viagem de seis dias foi apenas pela cidade de Buenos Aires, capital federal daquele país. Mesmo antes da viagem – a primeira realizada à capital portenha – muitos de meus amigos que estiveram por lá em outras ocasiões mencionaram tipos diferentes de relação que nossos vizinhos mantêm com os negros.

Enquanto alguns alertavam que o país tinha um preconceito de raça superior ao do Brasil, outros me diziam que as mulheres negras fazem sucesso com os “hermanos”, principalmente as negras brasileiras. De mente aberta, durante o tempo em que estive na cidade, tentei não levar a cabo nenhum dos comentários, ainda que, tenha percebido que ambos estivessem corretos.


Por um lado, fiz sim muito sucesso! Uma amiga chegou a postar no Facebook que “por onde a black-power passava, todos os olhares se voltavam para ela”. Os olhares, em geral, eram um misto de curiosidade e admiração, afinal, se o cabelo black-power ainda causa curiosidade no Brasil – país de maioria afrodescendentes – imaginem na Argentina, onde não existem negros?

Pois é, essa é uma das muitas impressões equivocadas que temos da Argentina – à parte o fato de que eles não gostam de brasileiros, o que é uma grande mentira – os argentinos também não são apenas compostos pela etnia branca europeia. Assim como no Brasil, lá houve escravidão de negros durante os séculos XVII e XVIII.

A escravidão negra da Argentina foi abolida em 1843, antes da nossa, de 1888. Em meados do período colonial o país chegou a ter 54% da população composta por negros, mas boa parte – negros engajados como soldados – foi dizimada durante a guerra entre espanhóis e ingleses (Leia wiki: Invasões Britânicas) e também durante a Guerra do Paraguai. Isso porque os negros eram enviados como “infante” para morrer primeiro.

Outro motivo para o sumiço dos negros foi a epidemia de febre amarela, que afetou, sobremaneira, as porções mais carentes da população, que a esta época, eram compostas por negros libertos. Assim como no Brasil, após a escravidão, os negros argentinos foram jogados à margem do sistema. Sem políticas públicas capazes de auxiliá-los no enquadramento funcional e na formação das famílias, viveram alienados do trabalho, isolados culturalmente do restante da sociedade e reféns dos infortúnios da miséria.

Mas, para além desses “detalhes históricos” tantas vezes não mencionados – nem aqui e nem lá – existe também um componente ideológico, que como aqui, ganhou força durante certo período na Argentina. Trata-se da política de branqueamento da população. Assim como no Brasil, o governo portenho – pautado pelas teorias externas de Cesare Lombroso e outros – acredita que o desenvolvimento e o progresso do país estavam atrelados à cor da pele da população. O mesmo se discutia por aqui por meio da antropologia racial (ou seria racista?) de Nina Rodrigues.

Assim, a política de branqueamento argentina baseou-se no registro de todos os descendentes de escravos como brancos, o que provocou o sumiço dos negros da estatística Argentina, conforme afirma o historiador Álvaro de Souza Gomes Neto (Leia mais aqui), e também pela política de incentivo à imigração europeia, com doações de terras e de postos de trabalhos aos descendentes espanhóis, italianos, alemães, russos e outros. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência.

O fato é que, tendo estado lá por um período de apenas seis dias, pude obsevar que, em Buenos Aires, os negros são invisíveis. Eles não estão nas ruas, não estão nas praças, não estão no passeio público! Era possível contar os que – além de mim – passeavam pelos pontos turísticos da cidade durante o Feriado de Páscoa! Não deixei de notar uma certa semelhança com o eixo central da cidade de São Paulo, cidade onde os afro-brasileiros só são vistos durante os dias da semana, quase sempre ocupando os vagões lotados do metro para seguir em direção ao trabalho.

Além de ter sido surpreendida pela admiração dos homens portenhos pela beleza negra, fui surpreendida também por exclamações racistas do tipo “parece negro!”, dita a um taxista que atravessava o sinal vermelho e, por piadas racistas sendo contadas em praça pública por um grupo de capoeiristas que mais parecia um grupo de palhaços (com todo respeito aos palhaços, mas não achei outra denominação para fazer o paralelo).

Enquanto divertiam o público com gingados nada familiares, desferiam frases de mau gosto como “Le has dado su bolso? Él es negro!” a uma jovem que topou participar da brincadeira e entregou a bolsa a um dos componentes do grupo, que era negro. Todos riam, como se parecessem não se importar. Tive a impressão de que a Argentina, assim como o Brasil sofre de contradições extremas, resultantes de um processo de colonização que torturou e assassinou pessoas, dizimou raças inteiras e mais, teceu arrogante e diametral destruição das culturas. E olha que eu nem cheguei a citar os indígenas...

Menos de 5% da população argentina se declara afrodescendente (dados não confirmados), quando um estudo realizado pela Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires (UBA), mostrou, em 2006, que 20% dos entrevistados acreditavam que tinham ascendência africana, porém não tinham certeza. Ao que parece, a política de branqueamento argentina, em especial, a obrigatoriedade do registro do negro liberto e seus descendentes como brancos teve um impacto devastador sobre a cultura afro-argentina. (Com informações da Revista Aventuras na História, edição de 01/06/2005)

Você pode gostar também de:

Existe Sim Negros na Argentina, em Hebreu Suburbano
Onde foram parar os negros da Argentina? Aventuras na História 
Faculdade de Filosofia e Letras da Univ. de Buenos Airess
Instituto Nacional de Estatística e Censos – INDEC 
Instituto Nacional contra a Disc., a Xenofobia e o Racismo.

6ª Prêmio Educar para a Igualdade Racial está com inscrições abertas


Desde sua primeira edição, em 2002, o prêmio “Educar para a Igualdade Racial” ocupa papel destacado entre as iniciativas da sociedade civil comprometidas a construção de uma educação igualitária e de qualidade social. 


O prêmio encontra-se em sua 6ª edição, sendo uma iniciativa do Centro Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), em parceria com o Banco Santander no Brasil, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República/SEPPIR, com apoio de diversas instituições públicas e privadas. Idealizado há onze anos o prêmio incentiva educadores de todo o Brasil a adotarem programas e ações voltados para a valorização da diversidade e promoção da igualdade racial.

Ao longo desse tempo foram catalogadas quase 2.000 práticas pedagógicas relacionadas à educação igualitária oriundas de todos os estados brasileiros e de todos os níveis educacionais, exceto o superior. O objetivo é prosseguir valorizando o protagonismo dos(as) educadores(as), fortalecendo a progressiva institucionalização das ações educacionais e contribuindo para a efetiva implementação da LDB e das diretrizes curriculares que se ocupam do tema.

O prêmio é dividido em duas categorias: professor e gestão escolar. A primeira, mapeia e dá visibilidade às boas práticas escolares desenvolvidas por professores. A segunda, incentiva as iniciativas planejadas e executadas diretamente pela gestão escolar. As escolas premiadas são beneficiadas com plano de acompanhamento para estimular e potencializar a institucionalização das práticas.

Participação

A significativa participação de iniciativas adotadas por escolas, a exemplo do sudeste (15,5%) e nordeste 
(17,8%) pode ilustrar o impacto da implementação da LDB alterada pela lei 10.639/2003, indicando pistas para a institucionalização de políticas educacionais de promoção da igualdade racial – objetivo último do prêmio e certamente de todos que atuam nesse campo. 

Cada vez mais o prêmio ganha feição verdadeiramente nacional: Sul e Sudeste, concentravam 72% das inscrições. Com o passar dos anos, as inscrições foram se distribuindo pelo país, de sorte que na última edição, ambas as regiões concentraram 51% das inscrições, e o nordeste teve uma significativa ampliação, atingindo o segundo maior percentual, qual seja 29%. 


Alguns Dados

  • Ano a ano cresce o número de práticas inscritas no âmbito nacional: 1ª edição - 210; 2ª edição - 314; 3ª - 393; 5ª - 785. (Observação – a 4ª edição foi realizada apenas no Estado de São Paulo);
  • A 5ª edição foi a que apresentou mais projetos voltados à Educação Infantil, totalizando 47%, contra 16,4% da edição anterior;
  • A expressiva participação de educadores(as) brancos(as) na implementação das práticas (37%) indica que o tema vem sendo considerado como algo de responsabilidade de todas as pessoas e não apenas de negros ou indígenas;
  • A cada cinco iniciativas, quatro resultaram da ação das mulheres;
  • 75% das escolas apontam a promoção/valorização da diversidade étnico-racial, com ênfase na temática africana e afrodescendente, como objetivo ainda a ser alcançado. 
Sobre o CEERT 

O Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), fundado em 1990, é uma organização não-governamental, apartidária e sem fins lucrativos. A missão do CEERT é combinar produção de conhecimento com programas de treinamento e intervenção comprometidos com a promoção da igualdade de oportunidades e de tratamento e a superação do racismo, da discriminação racial e de todas as formas de discriminação e intolerância. A ONG desenvolve projetos nas áreas de diversidade no trabalho, educação, Direito, acesso à Justiça, políticas públicas, saúde e liberdade de crença. Além de prestar consultorias a empresas, prefeituras e órgãos públicos interessados em implantar políticas de valorização da diversidade e de promoção da igualdade racial. 


Mais informações 
Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) 
Endereço: Rua Duarte de Azevedo, 737 – Santana 02036-022 – São Paulo. SP.
Telefone: +55 (11) 3804-0320 

Intelectual negra defende escrita como direito da cidadania na Bienal do Livro e Leitura de Brasília

No mesmo debate, o sambista e escritor Nei Lopes defendeu a existência de uma literatura afro-brasileira. 

Brasília – A escritora mineira Conceição Evaristo defendeu nesta semana, durante debate na 1ª Bienal do Livro e da Leitura, a escrita como um direito de todos, que alcance camadas mais pobres da população e mesmo as excluídas em certos contextos, como as mulheres. “Tanto como a saúde e a educação, as populações pobres e as mulheres têm direito de se apropriar de um instrumento que, por vezes, é encarado como propriedade de certos estratos sociais”, disse.
Para ela, esses grupos precisam garantir o acesso à linguagem, à leitura e à escrita ou estarão sendo lesados em sua cidadania. “Essas populações precisam se apropriar desse direito para uma cidadania plena. O domínio da leitura e escrita é essencial, principalmente, em uma sociedade em que vale o que está escrito”, defendeu a autora de Ponciá Vicêncio.

Em um debate sobre o papel do negro na literatura brasileira, Conceição lembrou da construção ficcional de personagens negras, principalmente a de mulheres a quem, em geral, é negado o direito à maternidade. “Na literatura brasileira, nossas mulheres negras não são mães. No máximo, a mãe preta, que cuida da prole alheia”, disse a escritora mineira.

Para ela, da mesma forma que o discurso histórico tenta esconder os feitos e as contribuições de negros africanos para a construção do Brasil, a literatura pode estar caminhando nessa mesma direção ao silenciar personagens negras. Ela citou romances como São Bernardo, de Graciliano Ramos, e Agosto, de Rubem Fonseca, como exemplos de textos em que os negros existem como personagens, mas não têm direito à fala. “O que uma ficção que cria personagens sem fala está construindo? A literatura brasileira nega a presença negra na constituição da nacionalidade brasileira?”.

Perguntada sobre estratégias para quebrar esse silenciamento – tanto na literatura como na vida das mulheres –, ela citou a educação como ponto prioritário. “É a questão de furar brechas, de se apropriar de determinados conhecimentos. Volto à questão da escrita, da alfabetização. [É preciso] furar esses espaços e se apropriar dessas ferramentas que, se não propiciam um lugar melhor economicamente, propiciam possibilidade de crítica e enfrentamento.

No mesmo debate, o sambista e escritor Nei Lopes defendeu a existência de uma literatura afro-brasileira. “A literatura negra existe. Ela [a literatura] é um conjunto de criações que se referem a determinado contexto geográfico, linguístico ou temporal. No caso da literatura afro-brasileira, o elo é a questão identitária [que cria identidade]”, defendeu o autor da Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana.

Fonte: http://www.africa21digital.com, em 22 de abril de 2012

sábado, 31 de março de 2012

Escuridão

Ela pisou no freio quase que por um reflexo. Foram os 10 segundos mais longos de sua jovem vida. Ela viu a escuridão. Foi assim que ela própria descreveu aquele momento. Nada de ver a vida passar tão rápido, apenas escuridão. Quando acordou, já estava num quarto. Sentiu. Sua mãe, cansada, dormia numa cama improvisada ao lado. Sabia que pelas circunstâncias, estava tudo bem, ou quase tudo. Lúcida, lembrou do ocorrido. -- Nunca imaginei passar por isso, pensou. Mas ninguém nunca pensa. O imprevisível há de ser como um assopro. Desses que nos arrepiam a nuca quando estamos sozinhos em casa. Dizem os crentes: -- É a morte! Os céticos certamente vão dizer que um mero acaso, a brisa do verão, ou do inverno, tanto faz. Os esotéricos, esses vão intuir. Pressentimento. É claro, ninguém espera morrer. Ainda mais tão jovem e cheia de uma longa e bela vida pela frente. Às vezes, nem tão bela assim. Mas pouco importa. Os olhos já estavam abertos. Sentiu. A mão da mãe tocou-lhe o braço, pensou que a via, com o mesmo ar de cansaço de antes. Mas nada mais se viu.