Outro dia, ouvindo o programa do candidato ao governo da República, José Serra (PSDB), percebi que sim, a religião está no centro das eleições presidenciais de 2010. Um amigo chamou isso de “americanização das eleições”, já que nos Estados Unidos, manter relações com países mulçumanos, cogitar a aprovação de políticas sobre aborto e questões “morais” como união civil entre homossexuais estão sempre no foco central da disputa entre Democratas e Republicanos (uma vez que a política econômica, e as reformas estruturais estão, quase sempre, no mesmo patamar nos dois partidos). Infelizmente o Brasil passa por momento parecido. Os dois candidatos à presidência da República têm realizado uma verdadeira via crucis, peregrinando entre a devoção carismática católica e o conservadorismo neopentecostal.
Muito desse debate teve início ainda em 2009, por conta da elaboração do PNDH3 (Plano Nacional de Direitos Humanos – Decreto 7.037), no qual havia um dispositivo que orientava a não ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União. Ou seja, numa interpretação mais radical da proposta, enxergava-se a possibilidade (creio eu, bastante remota) de se retirar, por exemplo, os crucifixos e outros adornos religiosos de casas públicas, como prefeituras, assembléias legislativas, congressos etc. O que ninguém quis debater àquela altura era se, realmente, manter esse tipo de artefato nos espaços públicos, não era um atentando contra as religiões não-cristãs, ou mesmo aos ateus, uma vez que, pretendemos viver num Estado laico.
O PT – pelas opções que tomou ao longo dos dois governos Lula – não consegue dar um “passo a frente” nessas questões, que sinceramente, em pleno século XXI já deveriam ser tomadas como básicas para a consolidação de um Estado Democrático de Direito (laicizado, diga se de passagem) e, portanto, para a consolidação dos direitos humanos individuais e coletivos, tal como uma suposta democracia de milhões deveria ter. Hoje o moralismo religioso se tornou o ponto chave das eleições. E mesmo antes, com relação ao PNDH3, o recuo petista já era visível.
Dias atrás houve no Rio de Janeiro uma grande caminhada, a III Caminhada pela Liberdade Religiosa. Estavam lá os judeus, os mulçumanos, os filhos da deusa, os descendentes de Oxum e Oxalá. Não vi nenhuma menção à presença de presidenciáveis. Aliás, o candidato tucano, José Serra, chegou mesmo a chamar de macumba o fato de ter sido sorteado duas vezes (para perguntar e para responder) durante debate realizado pela TV Gazeta/Estadão no dia 9 de setembro. Ao afirmar “tem alguma macumba nessa urna aí” ele fez evidente associação entre macumba com algo ruim, o que, ainda que esteja presente no vocabulário popular, acaba depondo contra o presidencial no que se refere a sua visão das religiões de matrizes africanas.
O mesmo PNDH3, que mencionei acima, acirrou um debate contrário à legalização do aborto, bandeira histórica dos movimentos de mulheres e mais, uma questão de saúde pública real, problemática e de responsabilidade do Estado. Agora todos parecem recuar, em nome de uma “suposta família brasileira”, que “nunca abortou”, que é fielmente católica ou neopentencostal.
Fico pensando que liberdade religiosa é essa que se impõe por uma prática moralista que não leva em crédito os perfis das minorias religiosas discriminadas? Sim discriminadas!!! O que está acontecendo hoje no Brasil é uma verdadeira inversão da pauta da liberdade religiosa. As grandes instituições religiosas “carismáticas” estão se arrogando o direito à sua fé, enquanto seguem cada uma ao seu modo, demonizando os outros tipos de culto, cuspindo em santas, apedrejando centros de umbanda e candomblé, depredando as estátuas de Iemanjás em muitas cidades, excluindo os praticantes do convívio comunitário.
É surpreendente isso que está acontecendo nas eleições 2010, em que a maioria religiosa se acha no direito (que é assumido como compromisso pelos candidatos a governar o Estado) de se manter como a maioria, de ter “garantido seus direitos” de seguir discriminando as outras religiões, seja criticando, como fez parte da Igreja Católica, campanhas como a “Quem é do Axé Diz que É”, que estava sendo realizada durante o CENSO 2010 para incentivar os praticantes de religiões de matriz africana a declararem seu credo, seja criticando o ensino da história da religião de matriz africana nas escolas, como fizeram os neopentencostais durante a discussão do PNDH3. Ao que tudo indica, o fundamentalismo religioso anda ganhando adeptos também aqui em terra brasilis.
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
O Tempo do Novo no Acontecimento Jornalístico
Autor: Ana Claudia Silva Mielki
Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo
RESUMO
O artigo busca identificar como o discurso jornalístico constrói o imaginário do novo nas matérias dos jornais A Gazeta e A Tribuna, de circulação regional no Estado do Espírito Santo. A metodologia inscreve-se nos imites da Análise do Discurso (AD) como método que permite interpelar o texto (do seu ponto de vista formal) e o contexto (ou as determinações e deslocamentos sócio-históricos presentes nas condições de produção do discurso). Em outras palavras, uma análise da língua fazendo sentido. O objetivo é entender como as marcas cronológicas do tempo na enunciação operam a construção do sentido daquilo que é tomado como “novo” a partir de um marco temporal no acontecimento discursivo jornalístico.
PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo, Discurso, Novo, Tempo, Ideologia
Artigo apresentado no DT1: DT 1 - GP Teoria do Jornalismo do XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado em Caxias do Sul (RS) entre os dias 3 e 6 de setembro de 2010.
Clique aqui para ler o artigo na íntegra.
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Felicidade clandestina
Acordou naquela manhã, eufórica, assustada. O sonho não tinha sido dos piores, mas trouxe uma angústia sufocante. Nele um ex-namorado apareceu ao lado de outra garota, loira. A mesma que anos atrás havia visto com ele sentado num bar na rua da badalação. Por alguns instantes tentou entender o recado. Que momento era esse para tal lembrança tão distante dos tempos da adolescencia aparecer assim tão desfocada? O ambiente era outro, as amizades completamente outras, até o sorriso maroto já não parecia mais o mesmo. Dias depois resolveu escrever-lhe. Nada de mais, apenas um “Oi, como vai? Tudo bem?” – queria deixar para trás o incomodo do sonho; sonhado quase como uma profecia. Bastava saber onde andava, o que fazia, não tinha sido só um grande amor, mas também seu primeiro amante. Escreveu. A resposta veio na noite seguinte, antes de dormir. Poucas palavras que contam uma vida: um trabalho, um estudo, uma família, palavras carregadas de felicidade. Tudo assim tão completo. E ele tem apenas trinta e poucos anos. Sentiu uma ponta de tristeza, afinal, era o que havia perdido, deixado para trás como tantas outras histórias. Aos poucos a tristeza esvaiu-se do peito, como água que bate na pele e desliza buscando enfim outra morada. Um tipo de felicidade apareceu – clandestina – daquelas que se sente sozinho no quarto à noite ao pensar que bem distante alguém que um dia amamos é feliz.
quarta-feira, 17 de março de 2010
É possível normalizar a imagem do negro na mídia?
Normalizar no Dicionário Aurélio significa “fazer voltar, ou voltar à normalidade, ao estado normal”. Em outras palavras, parte da idéia de que existe um algo a priori que pode ser considerado normal, estando todos os fatos a posteriori balizados a partir dele. Já o doutor em educação, Thomaz Tadeu da Silva, que desenvolve a idéia de normalização a partir da perspectiva dos estudos sobre identidade cultural propõe que “a normalização é um dos processos mais sutis pelos quais o poder se manifesta no campo da identidade e da diferença”. Para Silva, “normalizar significa eleger – arbitrariamente – uma identidade específica como o parâmetro em relação ao qual as outras identidades são avaliadas e hierarquizadas” (1).
No Brasil, não é novidade a constatação de que a identidade normalizada foi a branca, ficando as outras – negros, índios e mestiços – balizados a partir da primeira. Na ficção televisiva isso se constata a partir do número de personagens brancos em relação ao de negros, mas também devido às características que esses personagens, brancos e negros assumem a cada trama. Os personagens brancos (normalizados) estão sempre “aptos” a desenvolver qualquer papel. Já os negros foram colocados sempre a frente de personagens cujas características de alguma forma remetiam ao imaginário construído sobre o negro no país ao longo de séculos. São os chamados “papéis de negro”, que se materializam no negro cômico, contador de piada; no escravo na ficção de época; na empregada doméstica das tramas urbanas; na mulata lasciva e indomada; e no carente social, sobrevivente das favelas e vítima de toda sorte de infortúnios possíveis.
Recentemente, no entanto, atores negros apareceram na telinha vivendo papéis que não podem ser assim considerados “papéis de negro”. Um deles, o consagrado Milton Gonçalves, que em 2008 na novela A Favorita (João Emanuel Carneiro) viveu o político corrupto Romildo Rosa. À época, em virtude da polêmica gerada por seu personagem, Gonçalves não só o defendeu como também alegou que gostava de fazer um personagem de relevo, ainda que fosse um vilão. “Sempre lutei por papéis relevantes”, disse em entrevista.
Em 2009 foi a vez de a atriz Thais Araújo viver algo semelhante. Seu personagem na novela Viver a Vida (Manuel Carlos) não criou muito carisma no início, e apesar de as críticas, aparentemente, não terem tido relação com a cor de sua pele, foi esse o fator que mais apareceu nas listas de discussão e fóruns que analisavam o conteúdo da ficção e a atuação da atriz. O próprio autor da trama adiantou-se ao informar à imprensa que não se tratava de uma personagem negra (fato que inclusive, não consta nos scripts do personagem). Ou seja, ela não estaria ali para viver um papel historicamente delegado aos negros, não seria – como foi Preta, seu personagem anterior em Da Cor do Pecado (João Emmanuel Carneiro), de 2002 – uma mulher negra que sofre com preconceitos raciais.
Os dois personagens citados, cada um ao seu modo, aparecem como uma tentativa de normalizar a imagem do negro na mídia. Aos atores foram dados papéis que poderiam ter sido dados a qualquer ator, branco ou negro, e com isso cria-se um discurso de que não existe preconceito racial nos produtos midiáticos distribuídos por aqui. A questão é até que ponto essa normalização é possível, na medida em que, num país onde há racismo, a cor da pele funciona como uma marca que discrimina?
Por um lado, a normalização segue um caminho positivo, pois permite criar, a longo prazo, a idéia de que negros podem (e devem) interpretar personagens diversos e não serem limitados a reproduzir os “papéis” a que foram subjugados há séculos. Isso posiciona o negro num lugar de identificação social pelo qual há muito se almeja. Intuitivamente, acredito que este foi o caso da personagem Helena de Thaís Araújo. Sua influência estética repercute de forma positiva e é visível nas ruas, com a assunção dos crespos e volumosos.
Por outro, a normalização também constrói uma idéia de aparente igualdade, que não condiz com a realidade racial do nosso país. Ao olharmos os Romildos e as Helenas como personagens alheios à discriminação racial – discriminação que diminui, mas ainda é vivida cotidianamente por negros e negras – corremos o rico de pousarmos nossa reflexão crítica sobre o alicerce nada confiável de que eles, os personagens, representariam de fato as relações raciais no Brasil.
Como bem argumentou a professora doutora Solange Couceiro, em entrevista, existe uma afirmativa muito bem difundida pela mídia e por alguns intelectuais brasileiros de que não existe no Brasil “divisão em raças”. Em conseqüência disso, e como forma de comprovar tal assertiva, aumenta-se o número de participações de negros em ficções televisivas, como se com isso quisessem nos dizer “não somos racistas”. Então, é preciso ficar atento se isso contribui na construção de um caminho de uma igualdade, de uma paridade nas relações raciais, ou se forja, mais uma vez, o mito da democracia racial.
(1)A produção social da identidade e da diferença. In: Tomaz Tadeu da Silva. (Org.). Identidade e diferença. A perspectiva dos Estudos Culturais. 1 ed. Petrópolis: Vozes, 2000, v. 1, p. 73-102.
No Brasil, não é novidade a constatação de que a identidade normalizada foi a branca, ficando as outras – negros, índios e mestiços – balizados a partir da primeira. Na ficção televisiva isso se constata a partir do número de personagens brancos em relação ao de negros, mas também devido às características que esses personagens, brancos e negros assumem a cada trama. Os personagens brancos (normalizados) estão sempre “aptos” a desenvolver qualquer papel. Já os negros foram colocados sempre a frente de personagens cujas características de alguma forma remetiam ao imaginário construído sobre o negro no país ao longo de séculos. São os chamados “papéis de negro”, que se materializam no negro cômico, contador de piada; no escravo na ficção de época; na empregada doméstica das tramas urbanas; na mulata lasciva e indomada; e no carente social, sobrevivente das favelas e vítima de toda sorte de infortúnios possíveis.
Recentemente, no entanto, atores negros apareceram na telinha vivendo papéis que não podem ser assim considerados “papéis de negro”. Um deles, o consagrado Milton Gonçalves, que em 2008 na novela A Favorita (João Emanuel Carneiro) viveu o político corrupto Romildo Rosa. À época, em virtude da polêmica gerada por seu personagem, Gonçalves não só o defendeu como também alegou que gostava de fazer um personagem de relevo, ainda que fosse um vilão. “Sempre lutei por papéis relevantes”, disse em entrevista.
Em 2009 foi a vez de a atriz Thais Araújo viver algo semelhante. Seu personagem na novela Viver a Vida (Manuel Carlos) não criou muito carisma no início, e apesar de as críticas, aparentemente, não terem tido relação com a cor de sua pele, foi esse o fator que mais apareceu nas listas de discussão e fóruns que analisavam o conteúdo da ficção e a atuação da atriz. O próprio autor da trama adiantou-se ao informar à imprensa que não se tratava de uma personagem negra (fato que inclusive, não consta nos scripts do personagem). Ou seja, ela não estaria ali para viver um papel historicamente delegado aos negros, não seria – como foi Preta, seu personagem anterior em Da Cor do Pecado (João Emmanuel Carneiro), de 2002 – uma mulher negra que sofre com preconceitos raciais.
Os dois personagens citados, cada um ao seu modo, aparecem como uma tentativa de normalizar a imagem do negro na mídia. Aos atores foram dados papéis que poderiam ter sido dados a qualquer ator, branco ou negro, e com isso cria-se um discurso de que não existe preconceito racial nos produtos midiáticos distribuídos por aqui. A questão é até que ponto essa normalização é possível, na medida em que, num país onde há racismo, a cor da pele funciona como uma marca que discrimina?
Por um lado, a normalização segue um caminho positivo, pois permite criar, a longo prazo, a idéia de que negros podem (e devem) interpretar personagens diversos e não serem limitados a reproduzir os “papéis” a que foram subjugados há séculos. Isso posiciona o negro num lugar de identificação social pelo qual há muito se almeja. Intuitivamente, acredito que este foi o caso da personagem Helena de Thaís Araújo. Sua influência estética repercute de forma positiva e é visível nas ruas, com a assunção dos crespos e volumosos.
Por outro, a normalização também constrói uma idéia de aparente igualdade, que não condiz com a realidade racial do nosso país. Ao olharmos os Romildos e as Helenas como personagens alheios à discriminação racial – discriminação que diminui, mas ainda é vivida cotidianamente por negros e negras – corremos o rico de pousarmos nossa reflexão crítica sobre o alicerce nada confiável de que eles, os personagens, representariam de fato as relações raciais no Brasil.
Como bem argumentou a professora doutora Solange Couceiro, em entrevista, existe uma afirmativa muito bem difundida pela mídia e por alguns intelectuais brasileiros de que não existe no Brasil “divisão em raças”. Em conseqüência disso, e como forma de comprovar tal assertiva, aumenta-se o número de participações de negros em ficções televisivas, como se com isso quisessem nos dizer “não somos racistas”. Então, é preciso ficar atento se isso contribui na construção de um caminho de uma igualdade, de uma paridade nas relações raciais, ou se forja, mais uma vez, o mito da democracia racial.
(1)A produção social da identidade e da diferença. In: Tomaz Tadeu da Silva. (Org.). Identidade e diferença. A perspectiva dos Estudos Culturais. 1 ed. Petrópolis: Vozes, 2000, v. 1, p. 73-102.
segunda-feira, 15 de março de 2010
Pesquisa de mestrado aponta crescimento da participação do negro na publicidade
Apesar do crescimento verificado entre os anos de 1985 e 2005, peças publicitárias continuam a retratar o negro a partir de estereótipos desabonadores, conclui o pesquisador Carlos Martins, em sua dissertação de mestrado defendida na Escola de Comunicações e Artes
Se pensarmos que os negros compõem a maior parte da população brasileira, somando cerca de 50% do total, como aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE (PNAD/2007*), poderíamos concluir que as peças publicitárias veiculadas em meios de comunicação – sejam eles eletrônicos ou impressos – deveriam dedicar-se a contemplar a figura do negro ora como cidadão (em peças públicas e sociais), ora como consumidor (em peças comerciais). Não é exatamente o que acontece.
A conclusão é da pesquisa de mestrado Racismo Anunciado: o negro e a publicidade no Brasil (1985-2005), defendida na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) pelo pesquisador Carlos Augusto de Miranda e Martins. Ele quantifica e interpreta 1.158 anúncios publicitários publicados em 60 exemplares da revista Veja num intervalo de 20 anos, contados de cinco em cinco (1985, 1990, 1995, 2000 e 2005).
Dos 1.158 anúncios, apenas 86 apresentavam a figura do negro, ou seja, 7% do total. A pesquisa identificou que houve um crescimento de 10% no número de peças publicitárias nas quais algum negro aparece. A percentagem que era de 3% em 1985 chegou a 13% em 2005. Apesar do crescimento, considera Carlos Martins, trata-se de “uma mudança muito tímida para 20 anos, principalmente se você pensar que esses 20 anos foram marcados por forte atuação do movimento negro”, afirma.
Para continuar lendo acesse Jornal Ìrohìn
Se pensarmos que os negros compõem a maior parte da população brasileira, somando cerca de 50% do total, como aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE (PNAD/2007*), poderíamos concluir que as peças publicitárias veiculadas em meios de comunicação – sejam eles eletrônicos ou impressos – deveriam dedicar-se a contemplar a figura do negro ora como cidadão (em peças públicas e sociais), ora como consumidor (em peças comerciais). Não é exatamente o que acontece.
A conclusão é da pesquisa de mestrado Racismo Anunciado: o negro e a publicidade no Brasil (1985-2005), defendida na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) pelo pesquisador Carlos Augusto de Miranda e Martins. Ele quantifica e interpreta 1.158 anúncios publicitários publicados em 60 exemplares da revista Veja num intervalo de 20 anos, contados de cinco em cinco (1985, 1990, 1995, 2000 e 2005).
Dos 1.158 anúncios, apenas 86 apresentavam a figura do negro, ou seja, 7% do total. A pesquisa identificou que houve um crescimento de 10% no número de peças publicitárias nas quais algum negro aparece. A percentagem que era de 3% em 1985 chegou a 13% em 2005. Apesar do crescimento, considera Carlos Martins, trata-se de “uma mudança muito tímida para 20 anos, principalmente se você pensar que esses 20 anos foram marcados por forte atuação do movimento negro”, afirma.
Para continuar lendo acesse Jornal Ìrohìn
domingo, 7 de fevereiro de 2010
Fim de férias
Cada dia mais me convenço de que algumas almas não são adeptas ao conforto de uma vida que pára. Num lugar, um emprego, um amor, uma família. Precisam dos altos, dos baixos, dos muitos e poucos amores. Até da falta de dinheiro. Querem os muitos lugares, não se conformam com a condição de estar sempre no mesmo paralelo-meridiano – ainda que tenham aprendido a caminhar devagar para olhar o entorno. Não conseguem viver no aqui, nem no ali. Têm que ir e vir sempre. Vão e retornam. Projetam sonhos, mas vivem de uma doce melancolia de um tempo que se foi. É que até o presente, sem o lá e o cá entre passado e futuro, cansa.
Angelus Novus, Paul Klee
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Calor, aridez e tristeza
Hoje foi um dia mais triste, ainda que em Vitória a temperatura de 35 graus não deixasse espaço para melancolismos. O fato de saber que 100 mil pessoas podem ter morrido no Haiti, vítimas do terremoto que abalou o país na última terça-feira (12) – o maior dos últimos 200 anos – deixa o tempo, já quente, mais árido. O corpo se cansa, os ombros pesam, mistura de tristeza e consternação.
Haiti, país tão longe e ao mesmo tempo tão perto do Brasil. Milhares de brasileiros moram lá em virtude, especialmente, da controversa missão de estabilização da ONU que está no país desde 2004 (a Minustah). São soldados do exército, marinha, e também enfermeiros, médicos, jornalistas, ativistas dos direitos humanos, membros do governo, embaixadores etc etc etc.
Pouco sabemos sobre esse país, que viu, ao longo de sua história, a face mais violenta da barbárie: décadas de ditaduras, genocídios, intervenções de intenções nada nobres, e a “velha e boa” exploração capitalista. Sim, é preciso lembrar que os Estados Unidos ocuparam o país quando esse tentava se erguer e se recuperar dos séculos de colonialismo (espanhol e francês) anteriores.
Episódios de catástrofe como essa, que abalam um país tão pobre como esse, fazem o tempo realmente mudar na gente, tudo parece mais intenso. Ou como disse uma colega no almoço “faz pensar que vivemos bem, numa vida relativamente mais confortável”. Apenas espero que o sentimento de viver melhor para nós mesmos não nos desobrigue da tarefa de ajudar a construir um mundo melhor também para os outros, aqui, no Haiti, ou em qualquer outro lugar.
Haiti, país tão longe e ao mesmo tempo tão perto do Brasil. Milhares de brasileiros moram lá em virtude, especialmente, da controversa missão de estabilização da ONU que está no país desde 2004 (a Minustah). São soldados do exército, marinha, e também enfermeiros, médicos, jornalistas, ativistas dos direitos humanos, membros do governo, embaixadores etc etc etc.
Pouco sabemos sobre esse país, que viu, ao longo de sua história, a face mais violenta da barbárie: décadas de ditaduras, genocídios, intervenções de intenções nada nobres, e a “velha e boa” exploração capitalista. Sim, é preciso lembrar que os Estados Unidos ocuparam o país quando esse tentava se erguer e se recuperar dos séculos de colonialismo (espanhol e francês) anteriores.
Episódios de catástrofe como essa, que abalam um país tão pobre como esse, fazem o tempo realmente mudar na gente, tudo parece mais intenso. Ou como disse uma colega no almoço “faz pensar que vivemos bem, numa vida relativamente mais confortável”. Apenas espero que o sentimento de viver melhor para nós mesmos não nos desobrigue da tarefa de ajudar a construir um mundo melhor também para os outros, aqui, no Haiti, ou em qualquer outro lugar.
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
O poder das palavras: descrever e prescrever
Desvelar o poder distintivo das palavras, e compreendê-las dentro de uma perspectiva da análise de uma conjuntura social repleta de tensões, este parece ser o objetivo principal da obra de Pierre Bourdieu, A economia das trocas linguísticas (Ce que parler veut dire, título original em francês), lançada em 2008 pela Edusp. A ideia de que “toda ação é uma conjuntura” busca empreender uma crítica a uma análise linguística que busca na singularidade da própria língua, no seu funcionamento interno, as explicações para os diferentes posicionamentos de emissores e receptores num dado momento de fala.
O livro é composto por nove textos agrupados em três partes: a primeira, na qual se estabelece a produção linguística sempre a partir do funcionamento de um mercado lingüístico; a segunda, cujo objeto principal é a constituição do poder simbólico instituído a partir da linguagem – ou das operações de nomeação; e a terceira, na qual são analisados três discursos (Ser e tempo, de Martin Heidegger; Algumas observações críticas a respeito de “Ler O Capital”, de Étienne Balibar; e O espírito das leis, de Charles de Montesquieu).
Resenha publicada na Revista Rumores | edição 6 | Setembro-Dezembro de 2009
Clique aqui para ler o artigo na integra.
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
Rapadura é doce, mas não é mole não
2010 é ano de eleições. Não por acaso Lula, o filho do Brasil, filme de Fábio Barreto, entrou em cartaz no dia 1º de janeiro, com perspectivas de ser distribuído em boa parte do território brasileiro e assistido por mais de 3 milhões de expectadores em salas de cinema.
Não gostaria de ficar resgatando aquilo que já foi dito por tantos críticos de cinema (ou de política) sobre ser uma narrativa emocional e simplória, como disse Lisandro Nogueira, que tem um pegada a la novela das oito; ou sobre ele ser feito para as pessoas pouco interessadas no aprofundamento político das circunstâncias ali inscritas; ou ainda sobre o filme ser uma ode ao Lula, uma espécie de consolidação de um mito, como já trabalhou César Benjamin (versão 1)em polêmico texto publicado no jornal Folha de S.Paulo.
No entanto, fica difícil não ver o filme sem querer dizer um pouquinho sobre ele, em especial quando se sai da sala de cinema com uma ponta de frustração.
Ao que parece, o filme buscou fazer um recorte da vida de Luiz Inácio da Silva (antes do Lula) a partir do relacionamento dele com sua mãe, dona Lindu (interpretada pela atriz Glória Pires), mas não encontrou nesse recorte o mesmo sucesso que teve Walter Salles quando filmou a vida de Ernesto Guevara (antes de Che) no filme Diários de Motocicleta. O filme deixa vácuos. Ao invéz de um recorte, o que fica é uma história mal contada, que se pretende desde um certo início, mas não vai a nenhum fim.
Comentários no pós-sala-de-cinema diziam que se trata da história de dona Lindu, o que torna razoável a forma como o filme termina. Talvez. Mas acredito que essa era uma informação privilegiada, de quem leu algo sobre o filme antes do filme. Em outras palavras, a personagem Lindu, ainda que com sua influência decisiva sobre a vida do Lula, não aparece na trama como a personagem principal – algo que ocasionalmente só ocorre quando, por conta de sua morte, o filme termina. A vida da mãe é ofuscada pela vida do filho metalúrgico-sindicalista-presidente. Assim como a interpretação de Glória passa longe da exuberante interpretação do ator Rui Ricardo Diaz, que faz Lula na fase adulta.
Aqui vale ressaltar que não importa se a intenção do diretor Fábio Barreto tenha sido a de mostrar a vida da mãe – o cinema não vive de intenções, ainda que algumas possam ser boas. O fato é que não é assim que a narrativa se constrói ao longo do filme, o que deixa uma sensação de “estar ao acaso”, aliás, como é toda a vida de Lula contada ali, um somatório de acasos sem fim.
Dizem por aí que o fime vai ser um epitáfio para as massas (em tempo de término de mandato e “aposentadoria” ). Sinceramente, nem nisso acredito. Sobretudo, com os ingressos das salas de cinema na casa dos R$ 20,00. E com a fiscalização contra a pirataria fechando o cerco, é improvável que tenha também o mesmo alcance que teve o famigerado Tropa de Elite, de José Padilha.
É claro que o filme tem um carater eleitoreiro, afinal como disse César Benjamin em seu texto (versão 2) muito dinheiro está sendo investido na distribuição do longa. “Reativam-se salas pelo interior do país e fala-se na montagem de cines volantes para percorrerem localidades que não têm esses espaços. O objetivo é que o filme seja visto por cerca de 5 milhões de pessoas, principalmente pobres”.
Por outro lado, tenho minhas dúvidas de que o filme vá fazer tanta diferença em termos de eleição. O filme personifica o mito, mas quem concorre à Presidência em 2010 não é o Lula e sim a ministra Dilma Roussef. E como se sabe na política, transferência de voto não é algo que pode ser tomado como certo, sobretudo no Brasil, onde vota-se na pessoa.
Não gostaria de ficar resgatando aquilo que já foi dito por tantos críticos de cinema (ou de política) sobre ser uma narrativa emocional e simplória, como disse Lisandro Nogueira, que tem um pegada a la novela das oito; ou sobre ele ser feito para as pessoas pouco interessadas no aprofundamento político das circunstâncias ali inscritas; ou ainda sobre o filme ser uma ode ao Lula, uma espécie de consolidação de um mito, como já trabalhou César Benjamin (versão 1)em polêmico texto publicado no jornal Folha de S.Paulo.
No entanto, fica difícil não ver o filme sem querer dizer um pouquinho sobre ele, em especial quando se sai da sala de cinema com uma ponta de frustração.
Ao que parece, o filme buscou fazer um recorte da vida de Luiz Inácio da Silva (antes do Lula) a partir do relacionamento dele com sua mãe, dona Lindu (interpretada pela atriz Glória Pires), mas não encontrou nesse recorte o mesmo sucesso que teve Walter Salles quando filmou a vida de Ernesto Guevara (antes de Che) no filme Diários de Motocicleta. O filme deixa vácuos. Ao invéz de um recorte, o que fica é uma história mal contada, que se pretende desde um certo início, mas não vai a nenhum fim.
Comentários no pós-sala-de-cinema diziam que se trata da história de dona Lindu, o que torna razoável a forma como o filme termina. Talvez. Mas acredito que essa era uma informação privilegiada, de quem leu algo sobre o filme antes do filme. Em outras palavras, a personagem Lindu, ainda que com sua influência decisiva sobre a vida do Lula, não aparece na trama como a personagem principal – algo que ocasionalmente só ocorre quando, por conta de sua morte, o filme termina. A vida da mãe é ofuscada pela vida do filho metalúrgico-sindicalista-presidente. Assim como a interpretação de Glória passa longe da exuberante interpretação do ator Rui Ricardo Diaz, que faz Lula na fase adulta.
Aqui vale ressaltar que não importa se a intenção do diretor Fábio Barreto tenha sido a de mostrar a vida da mãe – o cinema não vive de intenções, ainda que algumas possam ser boas. O fato é que não é assim que a narrativa se constrói ao longo do filme, o que deixa uma sensação de “estar ao acaso”, aliás, como é toda a vida de Lula contada ali, um somatório de acasos sem fim.
Dizem por aí que o fime vai ser um epitáfio para as massas (em tempo de término de mandato e “aposentadoria” ). Sinceramente, nem nisso acredito. Sobretudo, com os ingressos das salas de cinema na casa dos R$ 20,00. E com a fiscalização contra a pirataria fechando o cerco, é improvável que tenha também o mesmo alcance que teve o famigerado Tropa de Elite, de José Padilha.
É claro que o filme tem um carater eleitoreiro, afinal como disse César Benjamin em seu texto (versão 2) muito dinheiro está sendo investido na distribuição do longa. “Reativam-se salas pelo interior do país e fala-se na montagem de cines volantes para percorrerem localidades que não têm esses espaços. O objetivo é que o filme seja visto por cerca de 5 milhões de pessoas, principalmente pobres”.
Por outro lado, tenho minhas dúvidas de que o filme vá fazer tanta diferença em termos de eleição. O filme personifica o mito, mas quem concorre à Presidência em 2010 não é o Lula e sim a ministra Dilma Roussef. E como se sabe na política, transferência de voto não é algo que pode ser tomado como certo, sobretudo no Brasil, onde vota-se na pessoa.
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
Vou de táxi?
Andar de táxi nas grandes cidades pode ser uma ótima opção para quem quer ter a tranquilidade e a comodidade de um transporte que pegue e deixe em casa. Além disso, em tempos de Lei Seca é também uma boa pedida para quem não quer deixar de tomar aquela caipirinha na baladinha ou aquela cerveja gelada no pub, na praia, no barzinho. Sim, tudo isso é verdadeiro, a não ser que você esteja em Vitória. Na capital do Espírito Santo, andar de táxi pode ser uma opção frustrante.
Depois da queima de fogos na Praia de Camburi na virada de ano, tentei pegar um ônibus para seguir até a região do Centro da cidade. Nenhum transporte coletivo passou. A rua estava lotada, o ponto de ônibus também. Ainda que cansados, esperar – quem sabe até o outro dia – não parecia incomodar os muitos que se aglutinavam por ali. Depois de aguardar um tempo, parei um táxi. Antes que eu pudesse abrir a porta do carro o motorista:
– Vai pra onde? - gritou.
Eu respondi.
– 30 reais! - ele retrucou.
– Não vai ligar o taxímetro? - questionei.
– Não.
Foi taxativo o taxista.
Outro dia, depois de jantar com um par de amigos, resolvi voltar de ônibus para casa. Na escuridão da noite e na confusão da ampliação do Sistema Transcol, acabei pegando o ônibus errado. Fui parar num dos Terminais Rodoviários disponíveis na região metropolitana. Por conta do adiantado da hora – passava poucos minutos da meia noite – fiquei sem ônibus, ilhada num ponto qualquer da Grande Vitória. Liguei para duas empresas de rádio táxi e ambas me disseram que não havia carros disponíveis para me pegar àquele horário. Eu disse que esperava. Voltei a ligar 15 minutos mais tarde. A informação foi a mesma. – Senhora, não temos táxi disponível para pegá-la. O jeito foi apelar para amigos.
Histórias sobre taxistas que não querem ligar o taxímetro parecem ser comuns por aqui. Conversando com um amigo a respeito ouvi o seguinte relato “[...] eu já tive problema com taxista daqui tb... outro dia um taxista me deixou no meio do caminho porque eu queria que ele ligasse o taxímetro e ele falou que não ia ligar. Vê só!”. Assim como parece ser comum os taxistas “escolherem” o destino para onde querem levar os passageiros. Como se aceitar uma corrida fosse fazer um favor e não prestar um serviço – serviço, aliás, muito bem pago por aqui.
O fato é que a dificuldade de se conseguir um táxi somada à falta de opções de transporte noturno – vale lembrar que na Grande Vitória o transporte coletivo só funciona até a meia noite – é um grande entrave à liberdade de ir e vir e de fazer a cidade se movimentar. Perde a cidade, com suas belas paisagens, uma orla estruturada com uma iluminação impecável, infelizmente não usufruída ao tardar da noite. Perde o cidadão, que com limitadas opções de mobilidade, deixa também de se apropriar do espaço público urbano.
Depois da queima de fogos na Praia de Camburi na virada de ano, tentei pegar um ônibus para seguir até a região do Centro da cidade. Nenhum transporte coletivo passou. A rua estava lotada, o ponto de ônibus também. Ainda que cansados, esperar – quem sabe até o outro dia – não parecia incomodar os muitos que se aglutinavam por ali. Depois de aguardar um tempo, parei um táxi. Antes que eu pudesse abrir a porta do carro o motorista:
– Vai pra onde? - gritou.
Eu respondi.
– 30 reais! - ele retrucou.
– Não vai ligar o taxímetro? - questionei.
– Não.
Foi taxativo o taxista.
Outro dia, depois de jantar com um par de amigos, resolvi voltar de ônibus para casa. Na escuridão da noite e na confusão da ampliação do Sistema Transcol, acabei pegando o ônibus errado. Fui parar num dos Terminais Rodoviários disponíveis na região metropolitana. Por conta do adiantado da hora – passava poucos minutos da meia noite – fiquei sem ônibus, ilhada num ponto qualquer da Grande Vitória. Liguei para duas empresas de rádio táxi e ambas me disseram que não havia carros disponíveis para me pegar àquele horário. Eu disse que esperava. Voltei a ligar 15 minutos mais tarde. A informação foi a mesma. – Senhora, não temos táxi disponível para pegá-la. O jeito foi apelar para amigos.
Histórias sobre taxistas que não querem ligar o taxímetro parecem ser comuns por aqui. Conversando com um amigo a respeito ouvi o seguinte relato “[...] eu já tive problema com taxista daqui tb... outro dia um taxista me deixou no meio do caminho porque eu queria que ele ligasse o taxímetro e ele falou que não ia ligar. Vê só!”. Assim como parece ser comum os taxistas “escolherem” o destino para onde querem levar os passageiros. Como se aceitar uma corrida fosse fazer um favor e não prestar um serviço – serviço, aliás, muito bem pago por aqui.
O fato é que a dificuldade de se conseguir um táxi somada à falta de opções de transporte noturno – vale lembrar que na Grande Vitória o transporte coletivo só funciona até a meia noite – é um grande entrave à liberdade de ir e vir e de fazer a cidade se movimentar. Perde a cidade, com suas belas paisagens, uma orla estruturada com uma iluminação impecável, infelizmente não usufruída ao tardar da noite. Perde o cidadão, que com limitadas opções de mobilidade, deixa também de se apropriar do espaço público urbano.
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