Deixar o conforto das ruelas marmorizadas e do ar-condicionado dos shoppings centers da Metrópole e adentrar a caótica Rua 25 de Março já é em si um desafio. Num dia próximo ao Natal, o desafio se transforma em aventura - dramática às vezes - sobretudo, para quem não tem o hábito nem sequer de freqüentar ruelas marmorizadas.
Depois de descer a Porto Geral: – Olha o rapa! Olha o rapa! Entrei na 25 de Março onde, em meio a um corre pra cá um corre pra lá, percorri a Rua da Av. Rangel Pestana até a (...): – Pega o pretinho! Pega o pretinho! De repente, um homem fardado passa a rasteira no menino, ele cai desajeitado. Afoito pela correria, parecia não saber ao certo de onde viera o golpe.
Já era. – O “rapa” pegou menino. Sim, um menino. Ele tinha lá seus 14 anos. Vendia camisetas Made in China, da Levi’s, da Adidas, Puma, coisas assim. A cena chamou a atenção dos passantes, flâneurs de outro tipo num consumismo de tipo igual. Ninguém se indignou. Vida que segue.
Na loja de bijus, a moça foi presa. – Tava roubando? – perguntou a senhorinha. – Tava incomodando os clientes – respondeu o segurança. Da porta da loja, olhei pra dentro, olhei pra fora: a cena parecia a mesma, do “pretinho” nosso de cada dia.
Se o menino vai preso, é negro, não importa o que fazia, se vendia, camisetas Made in China ou Paraguai. A moça jovem, é negra, incomodava os clientes com sabe-lá-o-que. Na esquina da General Carneiro outro negro, esse nem tão jovem, abordado por policiais, as mãos para trás. Ninguém perguntou seu nome. – Tem família? – ninguém perguntou.
São todos meio indigentes, sobreviventes em cidades invisíveis que poucos tem intenção de conhecer. Eles, porém, não são invisíveis, são avistados de longe, “identificados” pela cor que estampam na pele.
Mais a frente, uma manifestação - em alto volume e em baixo tamanho - entoava palavras de ordem: – Polícia na rua é pra prender ladrão! Soube depois que o protesto, apenas mais um de inúmeros que vêm ocorrendo na região, era para contestar a nova política de segurança da cidade, que coloca a PM para reprimir o comércio ambulante no lugar da Guarda Civil Metropolitana.
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
Articulação da Memória Discursiva no Texto Opinativo
Autor: Ana Claudia Silva MIELKI
Escola de Comunicação e Artes (ECA), Universidade de São Paulo (USP), São Paulo.
RESUMO
Em se tratando dos produtos de mídia, em especial do texto jornalístico, as operações de posicionamentos dos sujeitos emergem na escolha do gênero, do estilo e na forma como os enunciados são articulados em relação a uma memória discursiva, o “já sempre aí” do discurso: o interdiscurso. Para fins deste trabalho, nossa meta é mostrar como os textos opinativos realizam suas operações de articulação de uma memória discursiva, a partir da noção de gênero, do uso de determinados enunciados, aqui entendidos como enunciados concretos, e a partir do uso da imagem. Para isso, a análise parte do texto “Invertendo a verdade”, publicado no jornal A GAZETA, do Espírito Santo, em 25 de julho de 2006.
PALAVRAS-CHAVE: discurso, interdiscurso, memória, jornalismo, gênero opinativo.
Artigo apresentado no Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado em Curitiba (PR), de 4 a 7 de setembro de 2009.
Clique aqui para ler o artigo na íntegra.
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
“Caixa sem troco”
Qualquer pessoa que visse a frase “caixa sem troco” pregada atrás do vidro de um guichê entenderia que não haveria ali troco para ser dado em qualquer que fosse a circunstância. Eu, pessoa “desligada” que sou, não pensei nisso. Apenas me aproximei do guichê.
– Por favor, coloca 10.
– Não tem troco senhora.
– Você não tem uma nota de dez reais pra me dar de troco?
– Não. Esse caixa não dá troco.
Eu estava com uma nota de 20 reais e queria recarregar 10 reais no meu bilhete único. Mas descobri que um dos dois guichês que atendem na Estação de Metrô Ana Rosa, simplesmente não dá troco. Ou seja, só atende a quem chega com o dinheiro contado para recarregar.
Esse fato cotidiano me fez lembrar a campanha para a prefeitura de São Paulo em 2008. Um dos bordões usados na ocasião pela candidata do PT, Marta Suplicy, foi o “Carrega na catraca”. Era um contra-ataque ao ato do prefeito – e na ocasião candidato à reeleição – Gilberto Kassab (DEM), que no início de 2008 proibiu os usuários do transporte coletivo de recarregarem seus bilhetes direto na catraca do ônibus, o que obrigou os usuários a utilizarem os guichês localizados nas estações do metrô.
Tudo bem, não era lá nenhuma plataforma estrutural de governo (muito menos original), mas para quem depende exclusivamente do transporte coletivo, o fato é que deixar de carregar o bilhete no ônibus gerou certo transtorno.
De lá pra cá, não dá pra afirmar que o sistema mudou muito. O prefeito, que tomou a decisão de eliminar a recarga na catraca, deveria ter, ao longo dos últimos meses, pelo menos dobrado o número de atendentes nos guichês localizados nas estações do metrô. Não foi isso que aconteceu. Ao contrário, medidas “estranhas” e que vem sendo aplicadas à revelia de muitos, dificultam cada vez mais a vida dos usuários.
Uma delas foi realizada há poucos meses quando os guichês, que recarregavam o bilhete único com cartões de débito, pararam de aceitar a bandeira Visa. Ninguém (pelo menos eu não vi) soube explicar porque se manteve a bandeira MasterCard. O rapaz que trabalha num desses guichês me explicou outro dia.
– É porque o Visa dá muito problema na hora de recarregar.
Eu, na minha falta de informação a respeito, me calei sem argumentos.
O fato é que a Planetek, empresa que administra os guichês, tomou a decisão de manter apenas o MasterCard (RedeShop/Maestro) e o Panamericano/Pague Express. Mais uma vez, obrigando os usuários a sacar dinheiro antes ou, em última análise, a migrar para outra operadora de cartão (eu sinceramente estou pensando nisso).
Para quem não lembra o Panamericano/Pague Express não apenas colocou publicidade nas cabines de recarga do bilhete (visíveis ainda hoje), como também destacou funcionári(as) para fazer o cadastro de quem quisesse adquirir o cartão de crédito da empresa. A vantagem: "Pague em até 40 dias a recarga do seu bilhete único". A propósito, a abordagem era feita nas enormes filas para recarregar o bilhete único. Também não ouvi muitos comentários sobre a legalidade disso.
Agora, não bastasse o aumento no número de pessoas que estão recarregando o bilhete único nas estações do metrô por conta da restrição aos fretados, o que vem aumentando as filas, um dos dois guichês da Estação Ana Rosa não aceita mais dinheiro de usuário que precise de troco.
“Caixa sem troco” era o que dizia o bilhete escrito à caneta azul esferográfica, improvisado atrás do vidro.
– Por favor, coloca 10.
– Não tem troco senhora.
– Você não tem uma nota de dez reais pra me dar de troco?
– Não. Esse caixa não dá troco.
Eu estava com uma nota de 20 reais e queria recarregar 10 reais no meu bilhete único. Mas descobri que um dos dois guichês que atendem na Estação de Metrô Ana Rosa, simplesmente não dá troco. Ou seja, só atende a quem chega com o dinheiro contado para recarregar.
Esse fato cotidiano me fez lembrar a campanha para a prefeitura de São Paulo em 2008. Um dos bordões usados na ocasião pela candidata do PT, Marta Suplicy, foi o “Carrega na catraca”. Era um contra-ataque ao ato do prefeito – e na ocasião candidato à reeleição – Gilberto Kassab (DEM), que no início de 2008 proibiu os usuários do transporte coletivo de recarregarem seus bilhetes direto na catraca do ônibus, o que obrigou os usuários a utilizarem os guichês localizados nas estações do metrô.
Tudo bem, não era lá nenhuma plataforma estrutural de governo (muito menos original), mas para quem depende exclusivamente do transporte coletivo, o fato é que deixar de carregar o bilhete no ônibus gerou certo transtorno.
De lá pra cá, não dá pra afirmar que o sistema mudou muito. O prefeito, que tomou a decisão de eliminar a recarga na catraca, deveria ter, ao longo dos últimos meses, pelo menos dobrado o número de atendentes nos guichês localizados nas estações do metrô. Não foi isso que aconteceu. Ao contrário, medidas “estranhas” e que vem sendo aplicadas à revelia de muitos, dificultam cada vez mais a vida dos usuários.
Uma delas foi realizada há poucos meses quando os guichês, que recarregavam o bilhete único com cartões de débito, pararam de aceitar a bandeira Visa. Ninguém (pelo menos eu não vi) soube explicar porque se manteve a bandeira MasterCard. O rapaz que trabalha num desses guichês me explicou outro dia.
– É porque o Visa dá muito problema na hora de recarregar.
Eu, na minha falta de informação a respeito, me calei sem argumentos.
O fato é que a Planetek, empresa que administra os guichês, tomou a decisão de manter apenas o MasterCard (RedeShop/Maestro) e o Panamericano/Pague Express. Mais uma vez, obrigando os usuários a sacar dinheiro antes ou, em última análise, a migrar para outra operadora de cartão (eu sinceramente estou pensando nisso).
Para quem não lembra o Panamericano/Pague Express não apenas colocou publicidade nas cabines de recarga do bilhete (visíveis ainda hoje), como também destacou funcionári(as) para fazer o cadastro de quem quisesse adquirir o cartão de crédito da empresa. A vantagem: "Pague em até 40 dias a recarga do seu bilhete único". A propósito, a abordagem era feita nas enormes filas para recarregar o bilhete único. Também não ouvi muitos comentários sobre a legalidade disso.
Agora, não bastasse o aumento no número de pessoas que estão recarregando o bilhete único nas estações do metrô por conta da restrição aos fretados, o que vem aumentando as filas, um dos dois guichês da Estação Ana Rosa não aceita mais dinheiro de usuário que precise de troco.
“Caixa sem troco” era o que dizia o bilhete escrito à caneta azul esferográfica, improvisado atrás do vidro.
quinta-feira, 30 de julho de 2009
Com quantas cervejas se desfaz o racismo?
A “cervejada dos brigões”, como alguns veículos de comunicação denominaram o encontro promovido pelo presidente Barack Obama entre o policial e o professor preso ao tentar entrar na sua própria casa na última semana, na cidade de Cambridge, Massachussets, foi realizada nesta quinta-feira, dia 30.
No dia 16 de julho, o professor de Havard Henry Louis Gates Jr. foi preso, segundo informações que circularam nos jornais, dentro da própria residência, depois que uma vizinha, ao vê-lo tentando forçar a porta da casa, chamou a polícia. Gates teria voltado de uma viagem de uma semana à China e teria encontrado dificuldades para entrar em sua casa. Gates, além de ser um importante professor de Havard, apresenta uma “aparentemente sem importância” peculiaridade: é negro.
Os argumentos dados pela polícia foram inúmeros, inclusive de que a prisão teria sido ocasionada porque o professor estaria fazendo “excesso de barulho e bagunça”. Mas nenhum dos argumentos foi contundente o suficiente para convencer os norte-americanos de que não houve crime de racismo. Aos poucos, a notícia foi criando uma sensação de desconforto, e não por acaso, a repercussão acabou respingando no presidente Barack Obama. Em todos os lugares em que esteve presente na última semana, Obama teve que pronunciar alguma resposta em relação ao episódio.
A forma como o presidente Obama “cuidou” do fato levanta algumas questões importantes. Primeiro ele teria dito à imprensa que a ação da polícia foi estúpida e que os afroamericanos e latinos são parados pela polícia de forma desproporcional. Depois, após uma repercussão negativa de suas declarações – amigos do sargento James Crowley, responsável pela abordagem, e boa parte da corporação policial criticaram as declarações do presidente – Obama recua dizendo que “mediu mal” as palavras e toma a decisão de convidar os envolvidos para uma “cerveja conciliadora” na Casa Branca.
Ao que parece, a única polêmica durante o encontro, foi sobre a escolha da cerveja, se seria ela, norte-americana, belgo-brasileira ou inglesa. Sobre o racismo, nada além de um ou outro “tapinha nas costas”. E não poderia ser diferente, já que o objetivo declarado por Obama para tal encontro era mesmo o de por fim à polêmica acerca da existência ou não de uma atitude racista na ação do policial. O fato deixou de ser um incidente de cunho racial para ser tratado como um pequeno desentendimento individual. O encontro, neste caso, funcionou como uma conversa para “acalmar os ânimos” de dois sujeitos que se “alteraram”.
Em se tratando de um presidente negro, que eleito com forte apoio do eleitorado negro, e que propunha sempre um discurso de mudança, causa estranhamento o fato de que o presidente Barack Obama tenha levado em conta, mais a repercussão negativa de suas declarações na corporação policial, e menos a oportunidade de tornar o incidente um debate franco e construtivo, por exemplo, sobre a presença maciça de negros nas prisões norte-americanas. Conforme relatório da organização Pew Center divulgado em 2009, existem nas prisões norte-americanas 1 branco preso para cada 11 negros presos, sendo que a população geral é em sua maioria - 70,1% - de brancos, o que comprova, segundo o relatório, a existência de racismo no sistema penitenciário.
Tudo indica que Obama segue sua estratégia, previsível desde sua campanha em 2008, de manter o debate sobre o tratamento diferenciado dos negros, tão presente quanto for capaz de elegê-lo, porém tão ausente tanto quanto for sua capacidade de constrangê-lo. Em outras palavras, o presidente norte-americano, não parece mesmo estar disposto a enfiar a “mão na cumbuca” do racismo, prefere o debate da conciliação, ou melhor, o debate da “não-raça”, da “não-etnia”, da “não-diferença”.
Felizmente, as diferenças existem e estão aí, e aprender a conviver com elas, definitivamente, não passa por ignorá-las, encobertá-las ou indiferençia-las num falso discurso conciliatório. Ao contrário, depende exclusivamente de torná-las públicas, de discuti-las e de mostrá-las, e que essa condição de estar manifesta enquanto diferença seja intransigentemente resguardada pelos direitos historicamente constituídos.
No dia 16 de julho, o professor de Havard Henry Louis Gates Jr. foi preso, segundo informações que circularam nos jornais, dentro da própria residência, depois que uma vizinha, ao vê-lo tentando forçar a porta da casa, chamou a polícia. Gates teria voltado de uma viagem de uma semana à China e teria encontrado dificuldades para entrar em sua casa. Gates, além de ser um importante professor de Havard, apresenta uma “aparentemente sem importância” peculiaridade: é negro.
Os argumentos dados pela polícia foram inúmeros, inclusive de que a prisão teria sido ocasionada porque o professor estaria fazendo “excesso de barulho e bagunça”. Mas nenhum dos argumentos foi contundente o suficiente para convencer os norte-americanos de que não houve crime de racismo. Aos poucos, a notícia foi criando uma sensação de desconforto, e não por acaso, a repercussão acabou respingando no presidente Barack Obama. Em todos os lugares em que esteve presente na última semana, Obama teve que pronunciar alguma resposta em relação ao episódio.
A forma como o presidente Obama “cuidou” do fato levanta algumas questões importantes. Primeiro ele teria dito à imprensa que a ação da polícia foi estúpida e que os afroamericanos e latinos são parados pela polícia de forma desproporcional. Depois, após uma repercussão negativa de suas declarações – amigos do sargento James Crowley, responsável pela abordagem, e boa parte da corporação policial criticaram as declarações do presidente – Obama recua dizendo que “mediu mal” as palavras e toma a decisão de convidar os envolvidos para uma “cerveja conciliadora” na Casa Branca.
Ao que parece, a única polêmica durante o encontro, foi sobre a escolha da cerveja, se seria ela, norte-americana, belgo-brasileira ou inglesa. Sobre o racismo, nada além de um ou outro “tapinha nas costas”. E não poderia ser diferente, já que o objetivo declarado por Obama para tal encontro era mesmo o de por fim à polêmica acerca da existência ou não de uma atitude racista na ação do policial. O fato deixou de ser um incidente de cunho racial para ser tratado como um pequeno desentendimento individual. O encontro, neste caso, funcionou como uma conversa para “acalmar os ânimos” de dois sujeitos que se “alteraram”.
Em se tratando de um presidente negro, que eleito com forte apoio do eleitorado negro, e que propunha sempre um discurso de mudança, causa estranhamento o fato de que o presidente Barack Obama tenha levado em conta, mais a repercussão negativa de suas declarações na corporação policial, e menos a oportunidade de tornar o incidente um debate franco e construtivo, por exemplo, sobre a presença maciça de negros nas prisões norte-americanas. Conforme relatório da organização Pew Center divulgado em 2009, existem nas prisões norte-americanas 1 branco preso para cada 11 negros presos, sendo que a população geral é em sua maioria - 70,1% - de brancos, o que comprova, segundo o relatório, a existência de racismo no sistema penitenciário.
Tudo indica que Obama segue sua estratégia, previsível desde sua campanha em 2008, de manter o debate sobre o tratamento diferenciado dos negros, tão presente quanto for capaz de elegê-lo, porém tão ausente tanto quanto for sua capacidade de constrangê-lo. Em outras palavras, o presidente norte-americano, não parece mesmo estar disposto a enfiar a “mão na cumbuca” do racismo, prefere o debate da conciliação, ou melhor, o debate da “não-raça”, da “não-etnia”, da “não-diferença”.
Felizmente, as diferenças existem e estão aí, e aprender a conviver com elas, definitivamente, não passa por ignorá-las, encobertá-las ou indiferençia-las num falso discurso conciliatório. Ao contrário, depende exclusivamente de torná-las públicas, de discuti-las e de mostrá-las, e que essa condição de estar manifesta enquanto diferença seja intransigentemente resguardada pelos direitos historicamente constituídos.
quarta-feira, 10 de junho de 2009
Todo mundo segue uma ordem
Engraçado, para não dizer trágico, que a idéia da inocência das ações humanas seja ainda transplantada para o debate político quando tal inocência, em prática, se constitui como uma cortina que esconde, ou visa a esconder, a notoriedade da ordem. Sim, a palavra ordem aqui se encontra vinculada a pelo menos dois sentidos, diferentes, porém não antagônicos: a ordem como disposição organizativa das coisas, ou o contrário do caos, e ordem no sentido imperativo de inferir a alguém um comando.
Em face do primeiro sentido, a idéia da inocência das ações humanas nos mantém confortavelmente neste lugar harmonioso, cujas práticas “ditas” da barbárie pertencem ao desconhecido, ao “outro” e não ao cotidiano que é nosso. Em face do segundo sentido, a idéia de inocência se dá na medida em que confere a um terceiro – mais legítimo – a responsabilidade da ação. É sobre este sentido que me atenho.
Conversando com alguns colegas estudantes sobre a postura dos policiais que nesta terça-feira, 9 de junho, adentraram violentamente o campus da Universidade de São Paulo, diga-se de passagem, a maior e mais conservadora instituição acadêmica do país, ouvi que os policiais, ao jogarem bombas de efeito moral, atirarem balas de borracha contra estudantes, perseguirem lideranças e jogarem bombas de gás lacrimogêneo dentro de um instituto da universidade, não estariam se não, cumprindo uma ordem.
A ordem que ordena a manutenção da ordem.
A idéia recorrente de que os policiais, em situação de conflito, como o que se sucedeu na USP, estariam em primeira instância, cumprindo uma ordem, apresenta-se de forma um tanto quanto falaciosa, na medida em que coloca o pressuposto da inocência da ação, como uma justificativa para a mesma.
Ainda que, seja necessário ponderar sobre a realidade do indivíduo-sujeito que se forja como um policial, numa lógica deliberadamente construída para tal tipo de prática, ou seja, para reagir exatamente como reagiram naquele tipo de situação, não cabe retirar de sua condição primordial de sujeito (no sentido de “estar sujeito há”, mas também de “ser sujeito de”) a faculdade de fazer escolhas e responsabilizar-se por elas.
Ora, se não podemos, já que seria igualmente leviano, dizer que os policiais em si, seriam os responsáveis pelo equivocado desfecho do confronto ocorrido na USP, por outro, não podemos deixar de questionar, no mínimo, afinal, de quem partiu tal ordem?
É de se questionar, portanto, o que disse o governador José Serra (PSDB), autoridade máxima do Estado de São Paulo, logo, última instância política de decisão dos fatos relativos à USP, em entrevista a Folha Online. Segundo ele, nada poderia ter sido feito “se não cumprir a ordem judicial dada por um juiz”.
Diz um antigo ditado popular que no mundo das ordens “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Será que vivemos num estranho e paralelo mundo em que ordem dada é ordem cumprida? Certamente que não. Ao que parece, o discurso da inocência da ação é em primeira instância, o subterfúgio daquele cuja autoridade e poder em mãos é deliberadamente mascarado pela pouca coragem em assumir que tal poder e autoridade demandam escolhas. Eles – tantos os policiais, quanto a reitora Suely Vilela e o governador Serra – fizeram suas escolhas. O governador neste caso, ao velho estilo Pôncio Pilatos: “lavo minhas mãos”.
Desconstruir essa idéia de inocência das ações que são realizadas no cumprimento de uma ordem é tarefa para quem pretende desvelar as escolhas (políticas) que antecedem tais ações. Não é inocente que o governador José Serra – que em 2007 por ocasião da ocupação da reitoria ameaçou permitir a entrada do choque na USP – tenha agora recorrido a tal tática, em comunhão com a direção da Universidade, para impedir que o movimento reivindicatório (ainda insipiente, é fato) tomasse um fôlego maior. Mais uma vez reafirmo: ele fez a escolha (política) dele, cabe a nós fazermos a nossa.
A foto é da Folha Online
Em face do primeiro sentido, a idéia da inocência das ações humanas nos mantém confortavelmente neste lugar harmonioso, cujas práticas “ditas” da barbárie pertencem ao desconhecido, ao “outro” e não ao cotidiano que é nosso. Em face do segundo sentido, a idéia de inocência se dá na medida em que confere a um terceiro – mais legítimo – a responsabilidade da ação. É sobre este sentido que me atenho.
Conversando com alguns colegas estudantes sobre a postura dos policiais que nesta terça-feira, 9 de junho, adentraram violentamente o campus da Universidade de São Paulo, diga-se de passagem, a maior e mais conservadora instituição acadêmica do país, ouvi que os policiais, ao jogarem bombas de efeito moral, atirarem balas de borracha contra estudantes, perseguirem lideranças e jogarem bombas de gás lacrimogêneo dentro de um instituto da universidade, não estariam se não, cumprindo uma ordem.
A ordem que ordena a manutenção da ordem.
A idéia recorrente de que os policiais, em situação de conflito, como o que se sucedeu na USP, estariam em primeira instância, cumprindo uma ordem, apresenta-se de forma um tanto quanto falaciosa, na medida em que coloca o pressuposto da inocência da ação, como uma justificativa para a mesma.
Ainda que, seja necessário ponderar sobre a realidade do indivíduo-sujeito que se forja como um policial, numa lógica deliberadamente construída para tal tipo de prática, ou seja, para reagir exatamente como reagiram naquele tipo de situação, não cabe retirar de sua condição primordial de sujeito (no sentido de “estar sujeito há”, mas também de “ser sujeito de”) a faculdade de fazer escolhas e responsabilizar-se por elas.
Ora, se não podemos, já que seria igualmente leviano, dizer que os policiais em si, seriam os responsáveis pelo equivocado desfecho do confronto ocorrido na USP, por outro, não podemos deixar de questionar, no mínimo, afinal, de quem partiu tal ordem?
É de se questionar, portanto, o que disse o governador José Serra (PSDB), autoridade máxima do Estado de São Paulo, logo, última instância política de decisão dos fatos relativos à USP, em entrevista a Folha Online. Segundo ele, nada poderia ter sido feito “se não cumprir a ordem judicial dada por um juiz”.
Diz um antigo ditado popular que no mundo das ordens “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Será que vivemos num estranho e paralelo mundo em que ordem dada é ordem cumprida? Certamente que não. Ao que parece, o discurso da inocência da ação é em primeira instância, o subterfúgio daquele cuja autoridade e poder em mãos é deliberadamente mascarado pela pouca coragem em assumir que tal poder e autoridade demandam escolhas. Eles – tantos os policiais, quanto a reitora Suely Vilela e o governador Serra – fizeram suas escolhas. O governador neste caso, ao velho estilo Pôncio Pilatos: “lavo minhas mãos”.
Desconstruir essa idéia de inocência das ações que são realizadas no cumprimento de uma ordem é tarefa para quem pretende desvelar as escolhas (políticas) que antecedem tais ações. Não é inocente que o governador José Serra – que em 2007 por ocasião da ocupação da reitoria ameaçou permitir a entrada do choque na USP – tenha agora recorrido a tal tática, em comunhão com a direção da Universidade, para impedir que o movimento reivindicatório (ainda insipiente, é fato) tomasse um fôlego maior. Mais uma vez reafirmo: ele fez a escolha (política) dele, cabe a nós fazermos a nossa.
A foto é da Folha Online
quarta-feira, 20 de maio de 2009
Análise do Discurso: idéias para investigar a construção de imaginários a partir das práticas sociais
Autor: ANA CLAUDIA SILVA MIELKI
RESUMO
Atualmente o estudo da construção de imaginários sociais tem obtido destaque em diferentes campos das ciências humanas e sociais. Tanto na história quanto nas ciências sociais cada dia mais pesquisadores têm se interessado pelo tema. Esse movimento não é por acaso, é fruto da influência dos meios de comunicação de massa na construção das narrativas cotidianas. Nesse sentido, este ensaio busca oferecer como caminho para a investigação cientifica o uso da análise do discurso, vindo essa a contribuir de forma contundente para o campo de pesquisa em comunicação, na medida em que, estabelece a palavra, ou melhor, o signo – primeiro traço da comunicação inter-humana – como o objeto específico da análise. Além disso, a análise do discurso vem garantir o cruzamento teórico-metodológico de diversos campos das ciências humanas e sociais, com destaque para história social e a sociologia das práticas sociais, além da própria lingüística, fonte originária dos estudos acerca do discurso.
PALAVRAS-CHAVE
Pesquisa em Comunicação; Análise do Discurso; Imaginário Social
Artigo apresentado no II COLÓQUIO BINACIONAL BRASIL-MÉXICO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, realizado de 01 a 03 de abril de 2009 – São Paulo – Brasil.
Clique aqui para ler o artigo na integra.
quarta-feira, 25 de março de 2009
Pediu licença e tomou porrada
Ouvi quando ele pediu licença, de maneira educada, querendo ultrapassar pela direita para chegar um pouco mais a frente e ficar mais perto de seus ídolos. Ouvi quando o “cara” da frente, a quem se dirigiu cochichou algo com a namorada: “não vou deixar ele passar”. Pensei: qual a real necessidade de se impedir que em um show, alguém chegue mais a frente que você? Entendo até que as pessoas possam ficar irritadas com aqueles “cabeções” que ousam estacionar exatamente na frente, mas impedir que alguém simplesmente siga seu caminho, realmente não fazia sentido.
O raciocínio foi interrompido em segundos, pelo som da porrada, um murro, um soco, algo de desnecessário. A namorada ainda tentou dizer “pára”, mas já era tarde: era o fim do show para alguém. Ele até seguiu caminho, mas sem a mesma alegria, sem a mesma euforia. Ao redor todos se olhavam, por segundos talvez se questionassem sobre o que havia acontecido, mas logo retornavam ao seu “lugar” contemplativo.
Num mundo cada vez mais cínico, em que os seres humanos se colocam como centro único de suas necessidades, e conseqüentemente, de suas prioridades. Vale a lei do mais forte. O fato é que definir o imprescindível, o necessário num mundo onde tudo é mercantilizado, se tornou tarefa das mais difíceis. Deixamos de ser indivíduos, para sermos individuais, algo ligado mais a um sentimento de egoísmo, do que a uma idéia de singularidade propriamente dita. E neste caso, onde o individual é o que conta, o vale tudo para manter o “seu espaço” se torna a regra.
obs.: a foto é meramente ilustrativa
O raciocínio foi interrompido em segundos, pelo som da porrada, um murro, um soco, algo de desnecessário. A namorada ainda tentou dizer “pára”, mas já era tarde: era o fim do show para alguém. Ele até seguiu caminho, mas sem a mesma alegria, sem a mesma euforia. Ao redor todos se olhavam, por segundos talvez se questionassem sobre o que havia acontecido, mas logo retornavam ao seu “lugar” contemplativo.
Num mundo cada vez mais cínico, em que os seres humanos se colocam como centro único de suas necessidades, e conseqüentemente, de suas prioridades. Vale a lei do mais forte. O fato é que definir o imprescindível, o necessário num mundo onde tudo é mercantilizado, se tornou tarefa das mais difíceis. Deixamos de ser indivíduos, para sermos individuais, algo ligado mais a um sentimento de egoísmo, do que a uma idéia de singularidade propriamente dita. E neste caso, onde o individual é o que conta, o vale tudo para manter o “seu espaço” se torna a regra.
obs.: a foto é meramente ilustrativa
terça-feira, 17 de fevereiro de 2009
Transestética da banalidade
A banalidade das coisas faz com que não percebamos o que na origem as diferencia
Recebi esta semana um email com algumas imagens interessantes nas quais o “Che”, este mesmo, o Guevara, era a tema central. As imagens eram encabeçadas por um questionamento afinal “Why is Che Guevara such a pop culture icon?”. Por mero acaso, andei estudando recentemente (e novamente) a noção de Indústria Cultural, trazida por Adorno & Horkheimer, e fato é que a difundida imagem do revolucionário “Che” Guevara não escapa ao “desgostoso” vício social contemporâneo: o consumo.
Situação absolutamente paradoxal o fato de que a Indústria Cultural tratou de se apropriar e aprisionar em camisetas juvenis a imagem de um líder revolucionário cuja luta foi direcionada justamente para a transformação dessa mesma sociedade. Mas o consumo vive de nossas contradições e paradoxos, oferecendo-nos a cada dia, o nosso novo e possível objeto perdido da pulsão.
Acima, a imagem aparece sendo formada pelas mais importantes marcas do mundo "globalizado" (do artista Patrick Thomas Ilenó).
Há quem defenda que o consumo democratiza, permite inclusão e participação, fruição diriam os mais entusiastas (afinal, não fosse a difusão da imagem, pouca gente no mundo teria acesso ao homem). Por outro lado, a disseminada imagem de “Che” não tornou sua luta mais ampla ou mais presente na mente dos jovens que caminham por ai e por aqui, estampando sua imagem nas camisetas. Outro dia, pelo contrário, li uma matéria que mostrava jovens neonazistas na Alemanha usando “Che” como um trunfo nacionalista (isso mesmo, nacionalista), contra a presença do “outro” em seus países.
Poderíamos dizer então que o sentido (significado) de “Che” foi embora, assim como foi embora o homem (referente) ficando tão somente o significante, a imagem, o signo, esvaziado de sentido. A imagem de “Che” sobreviveu, porém sem a força de contestação, sem sua verdade, seu conteúdo construtivo. Infelizmente sobreviveu transformada em objeto fetichezado das passarelas da moda.
Crítico da pós-modernidade, o francês Jean Baudrillard, já havia postulado, na agora distante década de 1960, o vir a ser deste estado de dispersão quando evocou a tese “quando tudo é, nada é”. Segundo ele, “quando as coisas, os signos, as ações são libertadas de sua idéia, de seu conceito, de sua essência, de seu valor, de sua referência, de sua origem e de sua finalidade, entram então numa auto-reprodução ao infinito”.
Em outras palavras, o desaparecimento da idéia, do conteúdo, agora não mais se dá pela supressão (ou pela morte), mas pela reprodução incessante, pela dispersão – como num jogo de imagens refletidas em espelhos antepostos, formando infinitamente os fractais. O que há agora é o jogo da indiferença. Usando as palavras do francês, “já não há modo fatal de desaparecimento, mas sim um modo fractal de dispersão”.
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