quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Calor, aridez e tristeza

Hoje foi um dia mais triste, ainda que em Vitória a temperatura de 35 graus não deixasse espaço para melancolismos. O fato de saber que 100 mil pessoas podem ter morrido no Haiti, vítimas do terremoto que abalou o país na última terça-feira (12) – o maior dos últimos 200 anos – deixa o tempo, já quente, mais árido. O corpo se cansa, os ombros pesam, mistura de tristeza e consternação.

Haiti, país tão longe e ao mesmo tempo tão perto do Brasil. Milhares de brasileiros moram lá em virtude, especialmente, da controversa missão de estabilização da ONU que está no país desde 2004 (a Minustah). São soldados do exército, marinha, e também enfermeiros, médicos, jornalistas, ativistas dos direitos humanos, membros do governo, embaixadores etc etc etc.

Pouco sabemos sobre esse país, que viu, ao longo de sua história, a face mais violenta da barbárie: décadas de ditaduras, genocídios, intervenções de intenções nada nobres, e a “velha e boa” exploração capitalista. Sim, é preciso lembrar que os Estados Unidos ocuparam o país quando esse tentava se erguer e se recuperar dos séculos de colonialismo (espanhol e francês) anteriores.

Episódios de catástrofe como essa, que abalam um país tão pobre como esse, fazem o tempo realmente mudar na gente, tudo parece mais intenso. Ou como disse uma colega no almoço “faz pensar que vivemos bem, numa vida relativamente mais confortável”. Apenas espero que o sentimento de viver melhor para nós mesmos não nos desobrigue da tarefa de ajudar a construir um mundo melhor também para os outros, aqui, no Haiti, ou em qualquer outro lugar.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O poder das palavras: descrever e prescrever


Desvelar o poder distintivo das palavras, e compreendê-las dentro de uma perspectiva da análise de uma conjuntura social repleta de tensões, este parece ser o objetivo principal da obra de Pierre Bourdieu, A economia das trocas linguísticas (Ce que parler veut dire, título original em francês), lançada em 2008 pela Edusp. A ideia de que “toda ação é uma conjuntura” busca empreender uma crítica a uma análise linguística que busca na singularidade da própria língua, no seu funcionamento interno, as explicações para os diferentes posicionamentos de emissores e receptores num dado momento de fala.

O livro é composto por nove textos agrupados em três partes: a primeira, na qual se estabelece a produção linguística sempre a partir do funcionamento de um mercado lingüístico; a segunda, cujo objeto principal é a constituição do poder simbólico instituído a partir da linguagem – ou das operações de nomeação; e a terceira, na qual são analisados três discursos (
Ser e tempo, de Martin Heidegger; Algumas observações críticas a respeito de “Ler O Capital”, de Étienne Balibar; e O espírito das leis, de Charles de Montesquieu).
Resenha publicada na Revista Rumores 
| edição 6 | Setembro-Dezembro de 2009
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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Rapadura é doce, mas não é mole não

2010 é ano de eleições. Não por acaso Lula, o filho do Brasil, filme de Fábio Barreto, entrou em cartaz no dia 1º de janeiro, com perspectivas de ser distribuído em boa parte do território brasileiro e assistido por mais de 3 milhões de expectadores em salas de cinema.

Não gostaria de ficar resgatando aquilo que já foi dito por tantos críticos de cinema (ou de política) sobre ser uma narrativa emocional e simplória, como disse Lisandro Nogueira, que tem um pegada a la novela das oito; ou sobre ele ser feito para as pessoas pouco interessadas no aprofundamento político das circunstâncias ali inscritas; ou ainda sobre o filme ser uma ode ao Lula, uma espécie de consolidação de um mito, como já trabalhou César Benjamin (versão 1)em polêmico texto publicado no jornal Folha de S.Paulo.

No entanto, fica difícil não ver o filme sem querer dizer um pouquinho sobre ele, em especial quando se sai da sala de cinema com uma ponta de frustração.

Ao que parece, o filme buscou fazer um recorte da vida de Luiz Inácio da Silva (antes do Lula) a partir do relacionamento dele com sua mãe, dona Lindu (interpretada pela atriz Glória Pires), mas não encontrou nesse recorte o mesmo sucesso que teve Walter Salles quando filmou a vida de Ernesto Guevara (antes de Che) no filme Diários de Motocicleta. O filme deixa vácuos. Ao invéz de um recorte, o que fica é uma história mal contada, que se pretende desde um certo início, mas não vai a nenhum fim.


Comentários no pós-sala-de-cinema diziam que se trata da história de dona Lindu, o que torna razoável a forma como o filme termina. Talvez. Mas acredito que essa era uma informação privilegiada, de quem leu algo sobre o filme antes do filme. Em outras palavras, a personagem Lindu, ainda que com sua influência decisiva sobre a vida do Lula, não aparece na trama como a personagem principal – algo que ocasionalmente só ocorre quando, por conta de sua morte, o filme termina. A vida da mãe é ofuscada pela vida do filho metalúrgico-sindicalista-presidente. Assim como a interpretação de Glória passa longe da exuberante interpretação do ator Rui Ricardo Diaz, que faz Lula na fase adulta.

Aqui vale ressaltar que não importa se a intenção do diretor Fábio Barreto tenha sido a de mostrar a vida da mãe – o cinema não vive de intenções, ainda que algumas possam ser boas. O fato é que não é assim que a narrativa se constrói ao longo do filme, o que deixa uma sensação de “estar ao acaso”, aliás, como é toda a vida de Lula contada ali, um somatório de acasos sem fim.

Dizem por aí que o fime vai ser um epitáfio para as massas (em tempo de término de mandato e “aposentadoria” ). Sinceramente, nem nisso acredito. Sobretudo, com os ingressos das salas de cinema na casa dos R$ 20,00. E com a fiscalização contra a pirataria fechando o cerco, é improvável que tenha também o mesmo alcance que teve o famigerado Tropa de Elite, de José Padilha.


É claro que o filme tem um carater eleitoreiro, afinal como disse César Benjamin em seu texto (versão 2) muito dinheiro está sendo investido na distribuição do longa. “Reativam-se salas pelo interior do país e fala-se na montagem de cines volantes para percorrerem localidades que não têm esses espaços. O objetivo é que o filme seja visto por cerca de 5 milhões de pessoas, principalmente pobres”.

Por outro lado, tenho minhas dúvidas de que o filme vá fazer tanta diferença em termos de eleição. O filme personifica o mito, mas quem concorre à Presidência em 2010 não é o Lula e sim a ministra Dilma Roussef. E como se sabe na política, transferência de voto não é algo que pode ser tomado como certo, sobretudo no Brasil, onde vota-se na pessoa.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Vou de táxi?

Andar de táxi nas grandes cidades pode ser uma ótima opção para quem quer ter a tranquilidade e a comodidade de um transporte que pegue e deixe em casa. Além disso, em tempos de Lei Seca é também uma boa pedida para quem não quer deixar de tomar aquela caipirinha na baladinha ou aquela cerveja gelada no pub, na praia, no barzinho. Sim, tudo isso é verdadeiro, a não ser que você esteja em Vitória. Na capital do Espírito Santo, andar de táxi pode ser uma opção frustrante.

Depois da queima de fogos na Praia de Camburi na virada de ano, tentei pegar um ônibus para seguir até a região do Centro da cidade. Nenhum transporte coletivo passou. A rua estava lotada, o ponto de ônibus também. Ainda que cansados, esperar – quem sabe até o outro dia – não parecia incomodar os muitos que se aglutinavam por ali. Depois de aguardar um tempo, parei um táxi. Antes que eu pudesse abrir a porta do carro o motorista:

– Vai pra onde? - gritou.
Eu respondi.
– 30 reais! - ele retrucou.
– Não vai ligar o taxímetro? - questionei.
– Não.

Foi taxativo o taxista.

Outro dia, depois de jantar com um par de amigos, resolvi voltar de ônibus para casa. Na escuridão da noite e na confusão da ampliação do Sistema Transcol, acabei pegando o ônibus errado. Fui parar num dos Terminais Rodoviários disponíveis na região metropolitana. Por conta do adiantado da hora – passava poucos minutos da meia noite – fiquei sem ônibus, ilhada num ponto qualquer da Grande Vitória. Liguei para duas empresas de rádio táxi e ambas me disseram que não havia carros disponíveis para me pegar àquele horário. Eu disse que esperava. Voltei a ligar 15 minutos mais tarde. A informação foi a mesma. – Senhora, não temos táxi disponível para pegá-la. O jeito foi apelar para amigos.

Histórias sobre taxistas que não querem ligar o taxímetro parecem ser comuns por aqui. Conversando com um amigo a respeito ouvi o seguinte relato “[...] eu já tive problema com taxista daqui tb... outro dia um taxista me deixou no meio do caminho porque eu queria que ele ligasse o taxímetro e ele falou que não ia ligar. Vê só!”. Assim como parece ser comum os taxistas “escolherem” o destino para onde querem levar os passageiros. Como se aceitar uma corrida fosse fazer um favor e não prestar um serviço – serviço, aliás, muito bem pago por aqui.

O fato é que a dificuldade de se conseguir um táxi somada à falta de opções de transporte noturno – vale lembrar que na Grande Vitória o transporte coletivo só funciona até a meia noite – é um grande entrave à liberdade de ir e vir e de fazer a cidade se movimentar. Perde a cidade, com suas belas paisagens, uma orla estruturada com uma iluminação impecável, infelizmente não usufruída ao tardar da noite. Perde o cidadão, que com limitadas opções de mobilidade, deixa também de se apropriar do espaço público urbano.