quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Ethos: o “Eu” Subterrâneo na Narrativa de Dostoievski


Autor: ANA CLAUDIA SILVA MIELKI
Área: Teoria e Pesquisa em Comunicação, Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP)

RESUMO:
Este é um artigo-ensaio sobre a construção do ethos na narrativa de Notas do Subterrâneo, obra do escritor russo Fiodor Dostoievski. A partir da análise do discurso do narrador, queremos discutir a noção de ethos, como uma subjetividade constitutiva do personagem-autor, que se constrói a partir de uma relação dialógica com coenunciador durante ato de leitura. Porém desvelar este é ethos NÃO é buscar de forma interpretativa a figura de um suposto autor empírico. Trata-se aqui de seguir em busca do “eu” construído como enunciador, um “eu” personagem de seu próprio discurso, um “eu” que deixa marca de seu caráter, sua visão de mundo, sua corporalidade inscritos no texto, e que é, cuja subjetividade é construída e atravessada pelo discurso do outro (Outro).

PALAVRAS-CHAVE: Discurso, ethos, dialogia, personagem-narrador, coenunciado

Ensaio apresentado na I Jornada Acadêmica da PPGCom da Universidade de São Paulo (USP), realizada em São Paulo, no  24 de Outubro de 2008.

Clique aqui para ler o artigo na íntegra.


domingo, 1 de junho de 2008

Abolição inconclusa

No mês em que se comemora 120 da Abolição da Escravatura, o debate de cotas para negros em universidades ganhou enfoque e acabou por refletir um outro debate que deveria ser ainda mais profundo. É possível falar em Abolição da Escravatura no Brasil? Minimamente podemos refletir que, se 120 anos após a assinatura da Lei Áurea, ainda precisamos de argumentos incontrariáveis para defender a criação de políticas de ações afirmativas que garantam a inclusão social do negro, é porque os problemas de exclusão étnico-racial ainda não foram superados. Não foi à toa que o senador Paulo Paim (PT-RS) apresentou em 2007 o PLS 225, que institui o ano de 2008 como "Ano Nacional dos 120 anos de abolição não conclusa”, ainda em tramitação.

Alguns ainda teimam em se questionar se é necessário criar uma política que beneficie ou “favoreça” a população negra num país onde a convivência entre brancos e pretos é pacífica e onde não existe qualquer tipo de desigualdade étnico-racial. São julgamentos que partem de um princípio, já por muitos, criticado, o de que existe uma democracia racial no Brasil. Essa é uma lógica que paira soberana na cabeça de boa parte dos brasileiros e que por ser entendida como uma lógica – algo que não pode ser contrariado – se estabelece como verdade irrefutável. Acontece que nenhuma verdade é absoluta, nenhuma verdade é senão um constructo coletivo, às vezes imposto, às vezes consensuado pela disseminação de um discurso.

Hoje, o mito da democracia racial já foi bastante combatido. Na acadêmica principalmente há quem diga que tal mito tenha sido engavetado. Tenho dúvidas disso, sobretudo, quando ouço declarações como as do geógrafo Demetrio Magnoli. Além disso, sabemos que a universidades públicas importantes, como a Universidade de São Paulo (USP), recusam-se a fazer um debate franco sobre democratização do acesso, democratização de seus espaços internos e até mesmo sobre a democratização do saber, historicamente encastelado. O mito é convidado toda vez que o debate sobre cotas entra em cena.

Muitos críticos do sistema de cotas lançam mão desse mito para afirmar que negros e brancos são iguais no Brasil e que, portanto, reservar vagas seria privilegiar um grupo em detrimento de outro, o que fere nossa Constituição. Outros vão ainda mais longe ao evocarem cinicamente o argumento de que os próprios negros se sentiriam inferiores na universidade por terem ingressado por meio de cotas. Ora, o que eles não percebem é que ao dar vazão a essa idéia, deixam escapar o preconceito arraigado de que negros são realmente inferiores.

No Brasil, o mito da democracia racial foi e continua sendo uma construção discursiva, que se baseia no mito da união das três raças – brancos, negros e indígenas – uma tentativa de se pensar uma nação, ou que seria o povo brasileiro. O que ninguém reflete é que a ascensão ou descenso de qualquer grupo social está ligada intimamente à relação de poder que tal grupo mantém com o Estado. E, no nosso caso, o Estado importado de Portugal era (muito de mais) branco.

Os brancos de ascendência européia dominaram não apenas do ponto de vista econômico – tendo em vista o processo histórico de colonização – mas também do ponto de vista simbólico, na medida em que eram, os intelectuais brancos os principais divulgadores da idéia de democracia racial. E por mais que houvesse no início do século XX teorias sociais que visavam a incluir o negro na “história” do país, essas teorias eram pautadas por ideais de dissolução da cultura negra, de suas crenças, suas manifestações e até mesmo de sua cor escura.

Houve, portanto, um processo de aculturamento do negro, ou como defendiam alguns intelectuais e literatos, um processo civilizatório que criava um modelo idealizado, despido de suas características reais. No fundo, a união das três raças nunca passou de uma ideologia forjada para submeter os negros (e os índios) à supremacia do homem branco. Daí nasce a idéia da mestiçagem, que permitiria uma suposta limpeza biológica da população, na medida em que o cruzamento com a raça branca garantiria a supressão das características negras e indígenas.

O mito da democracia racial acabou garantindo ao longo do século XX uma espécie de unidade nacional. No entanto, tal mito foi construído sobre a completa marginalização do povo negro, ainda que isso tenha sido feito com cinismo, na medida em que, após a libertação dos escravos nenhuma política de inclusão social do negro foi realizada pelo Estado brasileiro, ao contrário, a política eugênica proposta foi a da imigração dos brancos, sobretudo, alemães e italianos, para construir o país do futuro.

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Basta um olhar atento sobre as produções midiáticas do dia-a-dia para se perceber o quanto ainda temos incrustado em nosso imaginário a idéia de igualdade entre brancos e pretos. A novela “Duas Caras” que terminou hoje, dia 31 de maio, na TV Globo, mostrou às avessas o processo de “igualamento” entre os dois grupos. Afinal, se brancos passaram anos discriminando negros, por que afinal, os negros não podem discriminar os brancos? Parece que a novela tentou passar como resposta plausível o fato de que brancos e negros se discriminam mutuamente, logo o problema do racismo é igual para todos. Esse seria um debate contemporâneo se o “lugar” do discurso não fosse o Brasil e o “meio” não fosse a TV Globo, que, aliás, mostrou em capítulo da mesma novela, a jovem negra Gislaine (foto) lendo o livro “Não somos racistas”, escrito por ninguém menos do que Ali Kamel, diretor de jornalismo da Rede. Sendo essa ou não a intenção do autor Agnaldo Silva, o fato é que a mensagem passada pela novela, por fim, acaba repaginando o mito da democracia racial.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Estatuto garante representação do negro na mídia

Segundo pesquisadora, além de garantir uma cota mínima de participação dos negros na programação midiática, é preciso garantir que a representação do negro não seja baseada em estereótipos.

Entrevista realizada por Ana Claudia Mielki, publicada na Edição Nº 23 do Jornal Ìrohìn

Na luta pela aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, movimentos negros, pesquisadores e militantes esperam que sejam implantadas ações afirmativas para garantir uma maior e melhor representação do negro na mídia, seja em propaganda, em produtos de ficção ou em produtos jornalísticos. Para isso o Estatuto possui o Capítulo IX, dedicado ao tema, no qual se prevê a adoção de 20% de negros na programação televisiva (leia abaixo).

Para falar da representação do negro na mídia, a professora Dra. Solange Couceiro, da Escola de Comunicação e Artes da USP, fala da importância de se criar condições de acesso, mas também ressalta que a questão não é a quantidade, mas a qualidade dessa representação. Solange é autora do livro “Os negros na televisão de São Paulo - estudo das relações raciais”, fruto de sua pesquisa de mestrado.

Ìrohìn: Há pelos menos dez anos vem se tentando estabelecer uma proposta de cotas para negros nos meios de comunicação, proposta presente hoje no Estatuto da Igualdade Racial (PL N° 6.264/2005). Em termos de percentual, acredita que houve alguma mudança significativa da participação do negro na mídia nessa última década?
Solange Couceiro: Houve um avanço, em termos de televisão principalmente, e talvez dentro da televisão, na ficção, que é o produto de maior audiência. Do ponto de vista das pesquisas que tenho feito e orientado nos últimos anos, mais especificamente em relação à ficção, à telenovela, a gente encontra percentualmente um maior número de atores negros trabalhando. Mas isso também depende do autor. Não é uma coisa programada, sistemática, não está dentro de um planejamento, de uma intencionalidade. Tem muito da iniciativa individual de determinados autores. Além disso, os anos 1990 trouxeram ainda – dentro desse diálogo com a sociedade – uma preocupação com essa questão. Isso foi levado ao âmbito da esfera federal no governo de Fernando Henrique Cardoso [1994-2002]. No estado de São Paulo, a questão da participação do negro se deu um pouco antes, no governo de Franco Montoro [1983-1987] quando foram constituídos os conselhos, entre os quais o Conselho do Negro. Mais recentemente, no governo Lula, tivemos mais avanços, pois em termos institucionais a preocupação hoje é bem maior. A mídia percebe que a sociedade está se movimento mais, que os movimentos estão acontecendo mais, então ela acaba incorporando isso.

Ìrohìn: O que acha do estabelecimento de 20% de cotas para negros na programação dos meios de comunicação?
Solange Couceiro: Acredito que tudo é bom. Todas as frentes que se puder atacar para melhorar essa situação, inclusive essa iniciativa de tentar aprovar uma Lei de percentual de cotas, são muito importantes. Mas sempre fico com uma preocupação: a quantidade não significa que a imagem, a representação do negro vá ser contemplada de uma forma real, de uma maneira mais séria, de uma maneira não estereotipada. Porque você pode, de repente, colocar 25% de mulatas rebolando com bumbum de fora e aí não adianta nada. Por isso faço sempre essa ressalva: é preciso que a televisão – no âmbito de seus diretores, produtores e autores – esteja preparada para fazer uma coisa séria. Não adianta colocar 25% de estereótipos.

Ìrohìn: Você acredita que com a regulamentação a representação do negro na mídia deva aumentar?
Solange Couceiro: A gente já sabe que as coisas regulamentadas nem sempre são cumpridas. Acredito que nunca é demais regulamentar. Mas não sei se é apenas esse o caminho. A gente tem que tentar outros caminhos, mais ligados à educação, mais ligados à socialização das pessoas, ao convívio com a diversidade. O nosso modelo de relações não é um modelo separado como nos Estados Unidos, onde os grupos ocupam lugares distintos. A gente não tem esse modelo. Mas isso não quer dizer que a gente aceite com mais facilidade o outro. A regulamentação é importante. A Lei tem que existir e tem que ser pra valer. Mas só isso não é suficiente. Teríamos que ter um trabalho que venha desde a educação infantil, que é aprender a conviver com a diversidade. Uma contribuição muito importante seria o efetivo cumprimento da obrigatoriedade dos conteúdos, no primeiro e no segundo grau, relacionados à história da África e à história e à cultura dos negros no Brasil.

Ìrohìn: Desde o início da sua pesquisa, no final da década de 1960, até os dias atuais, o que mudou nesse debate sobre a representação negra nos meios de comunicação?
Solange Couceiro: Há uma linha de preocupação temática que é bastante antiga. Fazendo um histórico, no final dos anos 1960 fiz minha pesquisa de mestrado, que defendi em 1971. A pesquisa foi publicada com o título “Negro na Televisão de São Paulo”. Foi um estudo das relações sociais que, por sua vez, foi inspirado num outro trabalho sobre o negro no rádio em São Paulo, do professor que me orientou [João Batista Borges Pereira]. A preocupação era a de ver que posições os negros ocupavam nas emissoras de televisão na época, qual a programação dessas emissoras e qual a representação que essa programação trazia do negro. Mas não acho que naquela época houvesse uma grande preocupação com isso. As preocupações eram muito esporádicas. Relendo, olhando este trabalho hoje, vejo que ainda tem muita atualidade.

Ìrohìn: Hoje o interesse em debater e pesquisar a questão da representação do negro na mídia é maior, tanto do ponto de vista da militância, quando do ponto de vista da academia?
Solange Couceiro: As questões raciais começam a aparecer mais no final dos anos 1970 com o movimento da sociedade civil e a reorganização do Movimento Negro. E nas universidades, a pesquisa acadêmica acaba refletindo e refratando também os movimentos da sociedade. Então foi a partir daí, dessa grande rearticulação do Movimento Negro no final da década de 1970, que começou um interesse maior sobre a questão racial, e, especificamente, sobre a questão da representação do negro nos meios de comunicação. Mas eu diria que esse “maior” é muito relativo. Hoje a gente tem um pouco mais de interesse, mas esse tema não é o foco das pesquisas acadêmicas. Claro que as coisas foram caminhando e o tema ganhou uma expressividade na sociedade, na medida em que os estudantes negros afloraram em algumas universidades e tiveram a oportunidade também de trabalhar essa questão, de fazer pesquisas e estudar essa questão num movimento que é acadêmico e militante.

Ìrohìn: Atualmente está no ar, na TV Globo, a novela “Duas Caras”, de Agnaldo Silva, que parece ser a novela não histórica com maior número de negros. No entanto, estamos vendo casos de negação da negritude e também de representação de um preconceito às avessas. Como você enxerga essa trama e seus personagens negros?
Solange Couceiro: Realmente há muitos atores negros, há mulheres negras belíssimas, que são negras fazendo papéis muito interessantes, uma diversidade de papéis. Você tem desde a prostituta que se tornou condessa, até a menina que se rejeitava e agora não se rejeita mais, que é o caso da Sheron Menezes [Solange]. O problema do preconceito do negro contra o branco – se ele existe –, acredito que ele até exista, mas é preciso entender porque ele existe. Esse preconceito existe como uma forma de responder ao preconceito do branco. É ruim se as pessoas interpretarem como “Olha, está vendo como eles são racistas também”, pois não é bem assim. Existe uma resposta a uma agressão anterior, que não está clara na novela. A novela é ambígua, mas de qualquer maneira acho que ela está fazendo uma coisa boa: está dando a oportunidade de mostrar grandes atores negros, mulheres principalmente. Por isso digo que não basta colocar 25% de negros, é preciso saber como colocá-los.

CAPÍTULO IX - DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

Art. 73. A produção veiculada pelos órgãos de comunicação valorizará a herança cultural e a participação dos afro-brasileiros na história do País.

Art. 74. Os filmes e programas veiculados pelas emissoras de televisão deverão apresentar imagens de pessoas afro-brasileiras em proporção não inferior a 20% (vinte por cento) do número total de atores e figurantes.

§ 1º Para a determinação da proporção de que trata este artigo será considerada a totalidade dos programas veiculados entre a abertura e o encerramento da programação diária.
§ 2º Da proporção de atores e figurantes de que trata o caput, metade será composta de mulheres afro-brasileiras.

Art. 75. As peças publicitárias destinadas à veiculação nas emissoras de televisão e em salas cinematográficas, quando contiverem imagens de pessoas, deverão garantir a participação de afro-brasileiros em proporção não inferior a 20% (vinte por cento) do número total de atores e figurantes.

Art. 76. Os órgãos e entidades da administração pública direta, autárquica ou fundacional, as empresas públicas e as sociedades de economia mista ficam autorizados a incluir cláusulas de participação de artistas afro-brasileiros, em proporção não inferior a 20% (vinte por cento) do número total de artistas e figurantes, nos contratos de realização de filmes, programas ou quaisquer outras peças de caráter publicitário.
§ 1º Os órgãos e entidades de que trata este artigo ficam autorizados a incluir, nas especificações para contratação de serviços de consultoria, conceituação, produção e realização de filmes, programas ou peças publicitárias, a obrigatoriedade da prática de iguais oportunidades de emprego para as pessoas relacionadas com o projeto ou serviço contratado.
§ 2º Entende-se por prática de iguais oportunidades de emprego o conjunto de medidas sistemáticas executadas com a finalidade de garantir a diversidade de raça, sexo e idade na equipe vinculada ao projeto ou serviço contratado.
§ 3º A autoridade contratante poderá, se considerar necessário para garantir a prática de iguais oportunidades de emprego, requerer auditoria e expedição de certificado por órgão do Poder Público.

Art. 77. A desobediência às disposições desta lei constitui infração sujeita à pena de multa e prestação de serviço à comunidade, através de atividades de promoção da igualdade racial.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Show de horrores

É inacreditável o que tem ocorrido com a televisão brasileira. Em pleno século XXI, com tanto esclarecimento sobre o papel da mídia, já no avançado debate sobre seu caráter social, ainda encontrar no horário nobre da TV brasileira, programas que ousam tripudiar sobre nosso senso crítico. Na semana passada zapeando a televisão (canais abertos), estacionei por alguns instantes em um programa no SBT que julgava pretensos cantores. Descobri, lendo uma crítica no Jornal O Estado de S. Paulo, que tal programa ainda não tinha nome devido a um processo movido pela FremantleMedia, detentora dos direitos do programa “Ídolos” nos Estados Unidos. O SBT que deteve o direito de exibição do programa nos últimos dois anos perdeu para a TV Record o direito de apresentação. E, sabidamente, Silvio Santos permitiu que os internautas e telespectadores do programa escolhessem o novo nome para a programação.

Na última quarta-feira, dia 14, não sendo tricolor, nem paulista, nem carioca, começava a ficar entediada com aquela partida da Copa Libertadores da América, entre São Paulo e Fluminense, transmitida pela TV Globo. Voltei a zapear os canais e mais uma vez tive o infeliz destino de cair no tal programa Astros (esse foi o nome escolhido por 78% dos internautas). Um verdadeiro “show de horrores”. O reality musical é na verdade uma versão abrasileirada do famoso American Idol, líder de audiência em diversos países, e vai ao ar desde abril todas as quartas, às 21h30, no SBT, só que numa versão Freak Show.

Entre uma apresentação e outra, um rapaz entra de cuecas e faz uma dança. Seu nome é Zezinho e ele apresenta uma composição de sua própria autoria, intitulada Melô do Reco-reco. “Todo mundo tá ligado, todo mundo tá esperto, que a onda do momento é a dança do reco-reco. Não precisa ser malhado, não precisa ser avião, pra fazer o movimento tem que prestar atenção: reco, reco, reco, reco”.

Previsivelmente ele é muito criticado, ou melhor, achovalhado pelo corpo de jurados, composto por Arnaldo Sacomani, Cynthia Zamorano, Thomas Roth e Carlos Miranda, que acredito, devem ser profissionais do ramo da música. Aliás, é impressionante ver esses jurados compactuando com um programa deste nível. Zezinho continua: “a meu deus estou infectado, o mosquito me picou e estou todo dengado”. No sítio do programa a chamada “Excluídos” vem seguida da seguinte frase: “ olha só as figuras que o júri tem que ouvir”.

Fica bem claro diante das interpretações dos participantes que tudo não passa de uma miss en scène. Uma ficção elaborada para ser transmitida como realidade. Por acaso, esta semana estava lendo um artigo de François Jost, especialista em análise de gêneros televisivos, no qual ele afirma a existência de dois modos de perceber a representação televisada, aquela feita por receptores que sabem “a qual mundo relacionar um programa (real, lúdico ou fictício)” e aquela feita pelos que “hesitam sobre o estatuto do programa”. Mas em nenhum dos casos, o telespectador deve ser encarado como vítima.
O telespectador é parte importante desse processo, na medida em que, estabelece um pacto de cumplicidade com a programação. Um pacto que apesar de ser tratado como meramente simbólico, usufrui de regras e modelos, às vezes, bastante rígidos. Um vínculo real em um mundo midiatizado. No mural do programa no sítio na internet os elogios – pasmem – são bem mais comuns do que as críticas. A maioria dos internautas que postam ali acredita que o programa é “excelente” e que os fazem “rir muito”.

Por outro lado, não posso deixar de dizer que existem alguns bons artistas se apresentando no programa, como o caso de Rita e Sandro, que apresentaram uma composição instrumental em violão e bandolim e foram escolhidos para a final do mês. No entanto, não deixa de ser indignante perceber que se por um lado, a TV se utiliza das bizarrices alheias para gerar audiência e dinheiro, por outro, artistas populares com potencial de expansão musical precisam se submeter a esse tipo de “audição” para se tornarem conhecidos. Dualidades e contradições de um país onde uma celebridade é produzida a cada 15 segundos e onde cultura não passa de frames com logotipos piscando na tela do seu computador.

Nenhum show de “talentos” que realmente se leve a sério iria permitir a participação de tais “figuras” em sua programação, a não ser que o objetivo principal seja realmente entreter por meio da escatologia. Parece que, mais uma vez, a estética do grotesco, enquanto representação de formas aberrantes e bizarras, encontrou na mídia um terreno fértil para sua reprodução, como bem já explicaram Muniz Sodré e Raquel Paiva em O império do grotesco (Mauad Editora, Rio, 2002). E, o SBT aposta, mais uma vez, no quanto pior melhor (para audiência), assim como apostou durante anos no Programa do Ratinho.

sábado, 10 de maio de 2008

Conflitos por terra atentam contra direitos humanos no Brasil

Atentado contra indígenas, absolvição de mandante do assassinato de Dorothy Stang e humilhação e destruição de acampamentos de trabalhadores sem-terra sinalizam retomada de onda radical de violações de direitos humanos.

Ana Claudia Mielki, especial para a Carta Maior

SÃO PAULO – Essa semana o Brasil se chocou com a absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos Moura, o Bida, acusado de ser o mandante do assassinado da missionária Dorothy Stang em 2005. Dorothy era conhecida por seu trabalho em defesa da reforma agrária, pelo reflorestamento de áreas degradadas e pelo trabalho na minimização dos conflitos do campo no estado do Pará. A absolvição de Vitalmiro acontece na mesma semana em que indígenas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol são atacados e baleados por capangas supostamente contratados por outro fazendeiro, Paulo César Quartieiro, desta vez do estado de Roraima. Quartieiro, que também é prefeito de Pacairama, foi preso pela Polícia Federal.

A absolvição de Vitalmiro contrariou as expectativas de organizações não-governamentais, movimentos sociais e representantes políticos que acreditavam na condenação. Bida havia sido condenado em primeiro julgamento realizado em maio de 2007 a uma pena de 30 anos, mas foi absolvido pelo júri no segundo julgamento realizado na última terça-feira, 6 de maio. O fazendeiro teve direito a novo júri porque a pena anterior ultrapassou os 20 anos.

A morosidade da Justiça em processar os responsáveis e ouvir as testemunhas foi preponderante para o desfecho do caso e para a construção da impunidade. É o que aponta Sandra Carvalho, da organização Justiça Global, uma das principais entidades de defesa dos direitos humanos no país. “Houve tempo para que os mandantes cooptassem os pistoleiros, oferecendo vantagens financeiras e também com advogados”. Só para se ter uma idéia, o pistoleiro Rayfran das Neves, o Fogoió, - condenado a 28 anos de prisão - mudou seu depoimento 14 vezes ao longo do processo.

Segundo acompanhamento feito pela Justiça Global, já há indícios suficientes que comprovam a existência de um “consórcio de fazendeiros para encomendar este tipo de crime”. Para Sandra, estamos vivendo “momentos difíceis em que há um acirramento dos conflitos por terras”, causado, sobretudo, por políticas econômicas voltadas ao fortalecimento do agronegócio e à morosidade da Justiça em fazer demarcação de terras para a reforma agrária e titulação de terras indígenas e quilombolas.

Defensores dos direitos humanos no Pará temem pela naturalização da violência ocasionada pela impunidade. O assassinato da irmã Dorothy não é um caso isolado de assassinato de trabalhadores sem-terra e defensores dos direitos humanos no país.

Segundo o relatório dos Conflitos no Campo do Brasil, promovido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2007 foram mortas 28 pessoas em conflito por terra no país, em 2006 foram 39 mortes, sendo 24 somente no estado do Pará. De acordo com a CPT, existem hoje 75 pessoas (com nomes listados) sofrendo algum tipo de ameaça no estado. Além de trabalhadores rurais, a lista conta com lideranças sindicais e comunitárias e religiosos, como o caso do Padre Amaro, coordenador da CPT em Anapu, Dom Erwin Krautler e Frei Henri Roziers, esses dois últimos com proteção policial 24 horas.

Em Roraima, os conflitos se intensificaram com o atentado contra os indígenas ocorrido no dia 5 de maio. Nesta quinta-feira (08), foram suspensas as aulas em todas as escolas indígenas do estado. Os indígenas também realizaram protestos, com o trancamento da Rodovia BR- 318, principal via de escoamento de arroz e insumos. Eles alegam que o governo de Roraima usou argumentos falsos para conseguir a liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu a Operação Upatakon 3, realizada pela Polícia Federal para retirar não-índios da reserva - incluindo arrozeiros proprietários de terras.

A liminar foi concedida sob a justificativa de que a reserva indígena, por se tratar de uma área continua em região de divisa com Venezuela e Guiana, poderia dificultar a fiscalização das fronteiras. De acordo com o líder indígena Jaci José de Souza Macuxi, do Conselho Indigenista de Roraima (CIR), a demarcação da reserva em área contínua não representa risco à soberania nacional. Para ele, a ação do governador José de Anchieta Júnior (PSDB) tem como objetivo beneficiar os grandes fazendeiros. A Terra Indígena Raposa Serra do Sol foi demarcada em 1998 e teve sua homologação assinada em 2005 pelo presidente Lula, mas apenas no início deste ano teve início a operação para retirar os não-indígenas. Atualmente, há 18.992 indígenas, de cinco povos, que vivem a região da Raposa Serra do Sol há mais de 4 mil anos.

De acordo com Darci Frigo, coordenador da Terra de Direitos, o Judiciário, nesse momento, “passa a ter um papel de novo de guardião dos interesses patrimonialistas”. “Me preocupam as declarações dadas recentemente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, quando ele criticou a ocupação de prédios públicos por movimentos sociais”. Para Frigo, trata-se de uma tese conservadora, que aponta para os movimentos sociais, mas não diz nada sobre os verdadeiros invasores de terras indígenas, quilombolas, sobre os grileiros que invadem terras públicas, nem para os que utilizam trabalho escravo em suas fazendas. “O papel do Judiciário é conservador, reforça a desigualdade que existe no país, quando deveria ser o de um grande árbitro para garantir a igualdade e a justiça”, completa.

A violência não pára

Em janeiro deste ano a organização não-governamental Human Rights Watch (HRW) divulgou relatório em que afirmava que a violência no Brasil tem migrado dos grandes centros urbanos para o interior dos estados. Cidades como Tailândia, no estado do Pará, e Colniza, em Mato Grosso, estão se tornando bastante violentas. A impunidade é a principal causa da violência no campo, observa o relatório.

Para Frigo, da Terra de Direitos, há também uma articulação nacional, pautada, sobretudo, por uma ofensiva da bancada ruralista no Congresso, para impedir a demarcação de terras tanto para a reforma agrária, quanto para povos originários. Aliado a isso, a escolha de um modelo econômico baseado no agronegócio tem contribuído para o aumento dos conflitos por terra, aponta Sandra, da Justiça Global.

Na quinta-feira, um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que fica na Fazenda São Paulo II, em São Gabriel (RS), foi invadido por cerca de 1.200 policiais da Brigada Militar. Cinco integrantes do movimento foram presos. Alguns acampados informaram que sofreram humilhação, tendo ficado por mais de 8 horas seminus, sem água ou alimentação. Durante a madrugada, no Paraná, uma milícia armada invadiu um acampamento do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST), localizado na BR 369, entre os municípios de Cascavel e Corbélia, no estado do Paraná. Com uma espécie de “caveirão” – um caminhão com carroceria blindada com pequenas janelas de onde os pistoleiros atiravam –, eles destruíram a estrutura do acampamento, inclusive uma igreja e uma escola.

domingo, 16 de março de 2008

Desconfio que...

Faltando 37 dias para as próximas prévias dos partidos Democrata e Republicano no Estados Unidos da América, a atual candidata democrata Hillary Clinton vai ter suar um pouco mais a camisa para ultrapassar o número de delegados do seu companheiro de partido Barack Obama. Uma disputa que está acirrando os ânimos tanto de políticos, quanto de eleitores estadunidenses, e até de brasileiros. Hillary é a primeira mulher a ter chances reais de disputar a presidência dos Estados Unidos, e como a conjuntura tem nos mostrado, ironicamente, precisa vencer o primeiro negro com igual possibilidade.

No Brasil não é novidade a disputa de uma mulher à presidência da República, afinal em 2006 tivemos como candidata, a socialista Heloísa Helena (PSOL) que chegou a conquistar 6% dos votos válidos. Tendo resultados ainda mais positivos em estados como o Rio de Janeiro, onde conquistou 15%. O fato é em 2010 a participação de mulheres na campanha presidencial brasileira deve aumentar.

Em curso uma articulação em torno da atual ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef (PT). A possível candidatura de Dilma Roussef em 2010 pode ser confirmada com alguma observação sobre os fatos.

Figura pública mais projetada do governo Lula desde que assumiu a Casa Civil, Dilma recebeu um impulso a mais em sua popularidade ao ser intitulada pelo próprio presidente Lula como a “Mãe do PAC” (Programa de Aceleração do Crescimento) na sexta-feira, dia 7 de março, quando foram inauguradas as obras da Comunidade do Alemão, no Rio de Janeiro. Os investimentos federais e estaduais nas obras da Comunidade do Alemão, que deve beneficiar outras áreas como Manguinhos e Rocinha e que devem incluir contruções de casas, creches, escolas, unidades de saúde, devem passar de R$ 1 bilhão.

No lançamento Lula negou o caráter eleitoreiro das obras ao afirmar “Não disputo mais eleição no Brasil porque meu mandato termina em 2010”, mas deu o start para a sucessão quando revelou a maternidade do PAC. Aqui podemos dizer que não é mera coincidência o fato do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) ter sido eleito 1994 como o “Pai do Plano Real”, já que tinha sido Ministro da Economia no governo de Itamar Franco. O fato é que conferir graus de paternidade ou maternidade a presidenciáveis não é tática nova na política brasileira.



No dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, os jornais estamparam a foto da Ministra no lançamento do PAC no Rio. No texto publicado no jornal O Estado de S. Paulo, os repórteres deixam claro que a exposição de Dilma é parte da estratégia de Lula para definir seu sucessor. Entre os possíveis nomes também estaria Tarso Genro (PT), Marta Suplicy (PT) e Ciro Gomes (PSB), entre outros. O mesmo jornal publicou na capa uma foto muito curiosa onde Dilma – por efeito de sobreposição – aparece com uma coroa na cabeça. Criatividade do fotojornalista? Criatividade maior do governo ao lançar as obras na véspera do 8 de Março.

Em entrevista dada pelo Presidente Lula ao jornal O Estado de S. Paulo na semana passada o presidente descartou qualquer possibilidade de aliança nacional com o PSDB. Ele apontou para uma possível sucessão sim, mas de emergentes da base aliada. Sinceramente, apesar do cada vez mais visível o apagamento da fronteira entre o programa do PT e do PSDB, acredito ser difícil uma jogada que busque solidificar uma aliança entre os dois partidos, tendo em vista que ainda há nomes inabalados dentro do próprio PT.

Dilma também é conhecida pelo pulso forte. Blindada pelos governistas transformou-se numa espécie de Primeira Ministra, ou uma “Dama de Ferro” do governo Lula, apelido que não raramente tem sido lhe atribuído pelo papel primordial que desenvolve atualmente na gestão do PT. A seu favor o fato de não ter sido envolvida em escândalos, ser conhecida por pulso forte e seu caráter ilibado. Ao contrário de seus antecessores Antônio Palocci e José Dirceu, ambos tidos como possíveis sucessores de Lula, mas que foram “atropelados” por inúmeras denúncias de desvio de dinheiro público, abuso de poder, entre outras “coisitas” que os afundaram na lama do “mensalão”.

Parece que Dilma sobrevive. Seria ela uma possível candidata à Presidência nas eleições de 2010? Desconfio que sim. Isso se não houver nada que pese contra ela até lá.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Sem contraponto

Falta de heterogeneidade enunciativa transforma Jornal da Globo no principal porta voz da elite conservadora brasileira

A palavra contraponto é comum entre os que participam de algum tipo de debate político. Ela refere-se ao verbo contrapor. Em expressão, “fazer contraponto” significa segundo o português, confrontar, opor, por em paralelo, apontar o outro lado dos fatos. Infelizmente este tipo de exercício tem sido cada vez mais abolido do nosso jornalismo televisivo diário. Não se trata aqui, porém, de resgatar o já superado debate sobre imparcialidade jornalística. Qualquer estudioso do tema, ou espectador atento, sabe que não é possível ser imparcial em uma notícia jornalística, uma vez que, existem estruturas (ou habitus) empresariais, ideológicas e subjetivas de jornalistas e editores, que condicionam a ação dos atores sociais e que são condicionadas, incorporadas e reproduzidas por elas. Por outro lado, a deontologia jornalística prevê que um fato noticioso precisa abordar visões dissonantes. É preciso fazer o contraponto.

O preâmbulo serve para preparar o campo para o debate sobre o que tem sido ultimamente o Jornal da Globo, que vai ao ar por volta das 24 horas, de segunda a sexta-feira, e que carrega em seu slogan o nome da emissora no qual está inserido. Nome que, aliás, já sugere o teor de sua linha editorial. Isso é, o jornal não é Nacional, muito menos tem em seu nome referencias a qualquer estado. Ele é, antes de tudo, o porta voz da Globo.


Desde a entrada do jornalista William Waack como âncora, em maio de 2005, muitas mudanças foram percebidas. Mas nenhuma tão gritante quanto a falta de contraponto. Não há comentários dissonantes. Ancora, críticos e especialistas estão sempre concordando. Até as alfinetadas que outrora Ana Paula Padrão dava em Arnaldo Jabor – como aquela em que a apresentadora chamou o comentarista de machista por taxar Camila Parcker (atual esposa do príncipe Charles) de “mocréia sexy” – foram extintas. O comentário não foi lá muita coisa, mas pelo menos exibiu divergências éticas entre os “arautos” do jornalismo brasileiro.


Com a emergência do conflito na América do Sul, entre Equador, Colômbia e Venezuela – causado pela invasão militar pela Colômbia do território do Equador no dia 1º de março – o âncora William Waack não poupou críticas nem cinismo. No dia 3 de março ele abriu a reportagem sobre o tema com a seguinte pergunta “é errado invadir a casa do seu vizinho, mas e se esta invasão fosse feita para pegar um ladrão?”.

Na escalada ele ainda usou o termo narcoguerrilha para se referir as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Uso que, aliás, tem se tornado corriqueiro entre os jornalistas televisivos. Essa é uma tentativa de atribuir à guerrilha papel preponderante na produção, refino e tráfico de drogas colombianas, eximindo o Estado do controle que esse deveria exercer sobre o tráfico. Waack ressalta, ainda no início da reportagem, o rompimento das relações internacionais entre Equador e Colômbia e mostra o suposto envolvimento dos governos equatoriano e venezuelano com as FARC. Tal envolvimento foi denunciado pelo próprio governo colombiano, que afirmou ter encontrado no acampamento das FARC no Equador, o computador pessoal de Raul Reyes – 2º homem das FARC morto na operação. Em tal computador estaria um conjunto de arquivos e documentos que o governo da Colômbia diz ser a prova das ligações entre os governos do Equador e da Venezuela com as FARC. Ninguém questionou, no entanto, como um computador poderia ter sido encontrado intacto num acampamento que segundo a Força Aérea Colombiana foi totalmente destruído. Ninguém explicou que tipo de arma foi capaz de matar os guerrilheiros, deixando equipamentos eletrônicos intactos. E a invasão do território equatoriano foi sendo diametralmente substituída pelo suposto envolvimento do Hugo Chávez e Rafael Correa com as FARC, a quem teriam doado quantias superiores a 300 milhões de dólares.

A mesma reportagem foi encerrada com um comentário de Arnaldo Jabour, intitulado “Querem que o Paquistão seja aqui”. Entre outras coisas ele afirmou que “o problema todo é a herança sagrada de Lenin. O Mao Tsé-Tung matou milhões, Stalin mais ainda, mas ainda há uma pretensa “santidade” nos socialistas. As FARC não se escondem na floresta, se escondem atrás do mito da revolução.”

Por acaso o Paquistão tem sido uma espécie de referência no Jornal. Na quarta-feira, dia 4 de março, a apresentadora Christiane Pelajo comparou as cenas de uma ação da Polícia Federal no Paraná com as cenas de conflito bélico no Paquistão. Comparações como essa não apenas espetacularizam a notícia, como também servem para criar um certo clima de terror naqueles que a assistem. É cada vez mais lúcida a idéia de que quanto maior o clima de terror na sociedade brasileira, mais fácil ultrapassar os limites da ética e dos direitos humanos com a aprovação de ações públicas de repressão e extinção da criminalidade, ou seja, dos criminosos.

Mas, retornado ao conceito de contraponto, o termo também é definido nos dicionários como “a disciplina que ensina a compor polifonia” ou a “própria polifonia”, uma multiplicidade de vozes ou melodias. Nas Ciências da Linguagem, o russo Mikhail Bakhtin usou o termo polifonia para analisar a multiplicidade de vozes presentes num discurso, uma vez que o próprio autor do discurso está inserido num contexto que o influencia previamente.

Infelizmente no caso do Jornal da Globo, tanto apresentadores, quanto comentaristas e especialistas parecem emergir de um mesmo contexto. Ou seja, as diversas vozes aqui presentes são inúteis já que elas não se constituem em pontos de vista contraditórios. Não há heterogeneidade enunciativa. E se consideramos, tal qual Bakhtin que “enuncia-se sempre para alguém de um determinado lugar ou de uma determinada posição sócio-histórica”, podemos deduzir a quem se destina tal Jornal.

Sem contraponto o Jornal da Globo segue hegemonizando o pensamento e criando consensos entre os espectadores. Afinal um Jornal que vai ao ar em tal horário, e que, na maioria das reportagens propõe maior profundidade de análise do que os demais jornais que costumam noticiar com pílulas factuais, tem um público alvo bem definido. Nesse caso composto por empresários, investidores, intelectuais, profissionais liberais e boa parte da classe média “esclarecida”. Com exceção daqueles que conseguem ainda assistir ao noticiário com um olhar crítico, todo o resto aparentemente com um pé no conservadorismo.