Estive recentemente na Argentina, nosso pais vizinho mais querido. Para ser mais precisa, minha viagem de seis dias foi apenas pela cidade de Buenos Aires, capital federal daquele país. Mesmo antes da viagem – a primeira realizada à capital portenha – muitos de meus amigos que estiveram por lá em outras ocasiões mencionaram tipos diferentes de relação que nossos vizinhos mantêm com os negros.
Enquanto alguns alertavam que o país tinha um preconceito de raça superior ao do Brasil, outros me diziam que as mulheres negras fazem sucesso com os “hermanos”, principalmente as negras brasileiras. De mente aberta, durante o tempo em que estive na cidade, tentei não levar a cabo nenhum dos comentários, ainda que, tenha percebido que ambos estivessem corretos.
Por um lado, fiz sim muito sucesso! Uma amiga chegou a postar no Facebook que “por onde a black-power passava, todos os olhares se voltavam para ela”. Os olhares, em geral, eram um misto de curiosidade e admiração, afinal, se o cabelo black-power ainda causa curiosidade no Brasil – país de maioria afrodescendentes – imaginem na Argentina, onde não existem negros?
Pois é, essa é uma das muitas impressões equivocadas que temos da Argentina – à parte o fato de que eles não gostam de brasileiros, o que é uma grande mentira – os argentinos também não são apenas compostos pela etnia branca europeia. Assim como no Brasil, lá houve escravidão de negros durante os séculos XVII e XVIII.
A escravidão negra da Argentina foi abolida em 1843, antes da nossa, de 1888. Em meados do período colonial o país chegou a ter 54% da população composta por negros, mas boa parte – negros engajados como soldados – foi dizimada durante a guerra entre espanhóis e ingleses (Leia wiki: Invasões Britânicas) e também durante a Guerra do Paraguai. Isso porque os negros eram enviados como “infante” para morrer primeiro.
Outro motivo para o sumiço dos negros foi a epidemia de febre amarela, que afetou, sobremaneira, as porções mais carentes da população, que a esta época, eram compostas por negros libertos. Assim como no Brasil, após a escravidão, os negros argentinos foram jogados à margem do sistema. Sem políticas públicas capazes de auxiliá-los no enquadramento funcional e na formação das famílias, viveram alienados do trabalho, isolados culturalmente do restante da sociedade e reféns dos infortúnios da miséria.
Mas, para além desses “detalhes históricos” tantas vezes não mencionados – nem aqui e nem lá – existe também um componente ideológico, que como aqui, ganhou força durante certo período na Argentina. Trata-se da política de branqueamento da população. Assim como no Brasil, o governo portenho – pautado pelas teorias externas de Cesare Lombroso e outros – acredita que o desenvolvimento e o progresso do país estavam atrelados à cor da pele da população. O mesmo se discutia por aqui por meio da antropologia racial (ou seria racista?) de Nina Rodrigues.
Assim, a política de branqueamento argentina baseou-se no registro de todos os descendentes de escravos como brancos, o que provocou o sumiço dos negros da estatística Argentina, conforme afirma o historiador Álvaro de Souza Gomes Neto (Leia mais aqui), e também pela política de incentivo à imigração europeia, com doações de terras e de postos de trabalhos aos descendentes espanhóis, italianos, alemães, russos e outros. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência.
O fato é que, tendo estado lá por um período de apenas seis dias, pude obsevar que, em Buenos Aires, os negros são invisíveis. Eles não estão nas ruas, não estão nas praças, não estão no passeio público! Era possível contar os que – além de mim – passeavam pelos pontos turísticos da cidade durante o Feriado de Páscoa! Não deixei de notar uma certa semelhança com o eixo central da cidade de São Paulo, cidade onde os afro-brasileiros só são vistos durante os dias da semana, quase sempre ocupando os vagões lotados do metro para seguir em direção ao trabalho.
Além de ter sido surpreendida pela admiração dos homens portenhos pela beleza negra, fui surpreendida também por exclamações racistas do tipo “parece negro!”, dita a um taxista que atravessava o sinal vermelho e, por piadas racistas sendo contadas em praça pública por um grupo de capoeiristas que mais parecia um grupo de palhaços (com todo respeito aos palhaços, mas não achei outra denominação para fazer o paralelo).
Enquanto divertiam o público com gingados nada familiares, desferiam frases de mau gosto como “Le has dado su bolso? Él es negro!” a uma jovem que topou participar da brincadeira e entregou a bolsa a um dos componentes do grupo, que era negro. Todos riam, como se parecessem não se importar. Tive a impressão de que a Argentina, assim como o Brasil sofre de contradições extremas, resultantes de um processo de colonização que torturou e assassinou pessoas, dizimou raças inteiras e mais, teceu arrogante e diametral destruição das culturas. E olha que eu nem cheguei a citar os indígenas...
Menos de 5% da população argentina se declara afrodescendente (dados não confirmados), quando um estudo realizado pela Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires (UBA), mostrou, em 2006, que 20% dos entrevistados acreditavam que tinham ascendência africana, porém não tinham certeza. Ao que parece, a política de branqueamento argentina, em especial, a obrigatoriedade do registro do negro liberto e seus descendentes como brancos teve um impacto devastador sobre a cultura afro-argentina. (Com informações da Revista Aventuras na História, edição de 01/06/2005)
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Faculdade de Filosofia e Letras da Univ. de Buenos Airess
Instituto Nacional de Estatística e Censos – INDEC
Instituto Nacional contra a Disc., a Xenofobia e o Racismo.